NOITE
As casas fecham as
pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores
são postos em surdina,
todas as luzes se
apagam.
Há um grande
aparato de câmara funerária
na paisagem do
mundo.
Os homens ficam
rígidos,
tomam a posição
horizontal
e ensaiam o
próprio cadáver.
Cada leito é a
maquete de um túmulo.
Cada sono em
ensaio de morte.
No cemitério da
treva
tudo morre
provisoriamente.
BANZO
E por que deixou
na areia do Congo
a aldeia de
palmas;
e porque seus
ídolos negros
não fazem mais
feitiços;
e porque o homem
branco o enganou com miçangas
e atulhou o porão
do navio negreiro
com seu desespero
covarde;
e porque não vê
mais de ânfora ao ombro
a imagem do conga nas
águas do Kuango,
ele fica na porta
da senzala
de mão no queixo e
cachimbo na boca,
varado de
angústia,
olhando o
horizonte,
calado, dormente,
pensando,
sofrendo,
chorando.
morrendo.
BELEZA
A beleza das
coisas te devasta
como o sol que
fascina mas te cega.
Delas contundo a
luminosa entrega
nunca se dá,
melhor, nunca te basta.
E a imensa paz que
para além te arrasta
quanto mais se te
esquiva ou te renega...
Paz tão do alto e
paz dessa macega
que nos campos
esplende à luz mais casta.
A beleza te fere e
todavia
afaga, uma emoção
(sempre a primeira e nunca
repetida) que
conduz
o teu
deslumbramento para um dia
à noite misturado,
na clareira
em que te sentes
noite em plena luz.
AS MÁSCARAS
O teu beijo é tão
doce, Arlequim...
O teu sonho é tão
manso, Pierrô...
Pudesse eu
repartir-me
encontrar minha
calma
dando a Arlequim
meu corpo...
e a Pierrô, minha
alma!
Quando tenho
Arlequim,
quero Pierrô
tristonho,
pois um dá-me
prazer,
o outro dá-me o
sonho!
Nessa duplicidade
o amor todo se encerra:
Um me fala do
céu...outro fala da terra!
Eu amo, porque
amar é variar
e , em verdade,
toda razão do amor
está na
variedade...
Penso que morreria
o desejo da gente
se Arlequim e
Pierrô fossem um ser somente.
Porque a história
do amor
só pode se
escrever assim:
Um sonho de Pierrô
E um beijo de
Arlequim!
O VOO
Goza a euforia do
voo do anjo perdido em ti
Não indagues se
nossas estradas, tempo e vento
desabam no abismo.
que sabes tu do
fim...
Se temes que teu
mistério seja uma noite,
enche-o de
estrelas
conserva a ilusão
de que teu voo te leva sempre para mais alto
no deslumbramento
da ascensão
se pressentires
que amanhã estarás mudo, esgota como
um pássaro as
canções que tens na garganta
canta, canta para
conservar a ilusão de festa e de vitória
talvez as canções
adormeçam as feras que esperam
devorar o pássaro
desde que nasceste
não és mais que um voo no tempo
rumo ao céu?
que importa a rota
voa e canta
enquanto resistirem as asas.
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