sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Gabriel Nascente: "5 Poemas"

GAVETA DE OSSOS
(Onde está, ó morte, a tua vitória?
Paulo, I-Co. 15:15)

É antigo esse morrer
dos meus mortos.

Andando sobre os escombros
do meu lembrar.

Com os seus pífaros de cinza
na minha voz.

Os poetas mortos bebendo
o sol nas chávenas do meu lodo.

Folheiam livros. Batem portas.
E galopam, esfuziantes,
com a fuligem das trevas
em seus bigodes.

Brancos como o vento
esses fantasmas se ancoram
nos andaimes da minha alma.



O CHAPÉU DAS ESTAÇÕES

O outono regorgita
rugas no ar.

As palavras me acordam
como pérolas
queimando minha mão.

As vassouras dão piruetas
no ar, gritando: letícias!,
letícias!

Olalá! Olalá!
Nós espalhávamos vasos
para o verão chegar
com sua penca
de gerânios.

Os telhados se cobriam
com as madeixas do luar.

Na primavera
as meninas iluminavam
seus cabelos com o lirismo
dos lilases.

O sol aterrissava sobre
a pátria dos junquilhos.

E o hálito das damas-da-noite
sobrepujava-se, glorioso,
à senda dos perfumes.

Gritamos tanto, amada,
que as almas se esconderam.



BUCÓLICAS

Quebrar relógios
não adia fadigas.

Ninguém atalha o tempo.
Meu coração dependurado
numa lâmpada (dá sinal
que a noite
vai doer nas gengivas do céu).

A luz é bizarra. Eu sei.
Tritrinam grilos na relva.
E o dia se despede, cúmplice.

O gado é litúrgico
na procissão
de teus cascos.

O boi no prado.
O boi no prato.

Dor que
rumina.

O sol
no papel
imprime
mentes.

O sol e
a metafísica
de teu cristal
queimando as
cabeleiras
do verde.

Quebrar relógios
não adia a morte.


Pescador de frases

A alma
vem das espumas.

Quem fez o paraíso
claudicou.

A vigília tem olhos
de estátua.

A lua é um ovo de metal
(e uiva) no umbigo do universo.

Corredor de nuvens
é casa de passarinhos.

Os olhos de mulher são
pombas pedindo amor.

Escama
é faísca de faca.

Rã adora
muxoxos de orvalho.

E a odisseia dos homens
é uma bolha de sabão.

  
O CISCO DE PATAS

Se pisei não te pisei.
Psiu, minhas desculpas.

Cisquinho de nada, passa.

Eu varrerei tua fome
com uma estátua de
açúcar.

É o lado pão da
minha amizade,

ó roedora
de polpas de caju!

Se quiseres pode banhar
na bacia do meu pranto.

Sem cerimônias.

Se pisei não te pisei.
Desculpas.



AS PROFECIAS DO SAL

De repente,
o vento é inimigo
do vento,
fazer o quê?

De repente,
um sopro de inverno
apaga a louçania
de teus sorrisos,
fazer o quê?

De repente, uma luz se tranca
pela última vez, e não há demiurgo
que a faça retroagi-la,
fazer o quê?

De repente,
os lábios de púrpura do crepúsculo
espalham o vinho de sua boca
pelo caminho de fogo das estrelas,
fazer o quê?

De repente,
um demônio fuzila
a primavera de um sonho escolar,
fazer o quê?

De repente,
atiçam gasolina
na pureza dos mendigos,
fazer o quê?

De repente,
a justiça tem a cara de pau
de mandar pra cadeia
os inventores da esperança,
fazer o quê?

De repente, a
eternidade não tem
futuro,
fazer o quê?

De repente,
uma lufada de flores
envenena
os travesseiros
do amor,
fazer o quê?

De repente,
vandalizam o ninho
dos peixes,
fazer o quê?

De repente,
bombardeiam a lua
à procura de divícias,
fazer o quê?

De repente,
é Deus que dá banana
pra humanidade.
Fazer o quê?



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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Janeiro-Fevereiro-Março 2012 - Ano I - Nº 70 (Academia Brasileira de Letras - ABL)

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