CONVITE PARA A FELICIDADE
Ditoso,
Júlia, ditoso,
quem livre
de inquietação
come os
frutos que semeia,
e dorme no
seu torrão;
que
desconhece das cortes
intriga,
esperança e receios,
que julga
acabar-se o mundo,
onde
acabam seus passeios.
Penúria e
riqueza ignora,
dois
escolhos da virtude,
e tira do
seu trabalho
bens,
prazer, vigor, saúde.
De iguais
rodeado vive,
e só tem
por superior
seu
Criador no outro mundo,
na
paróquia o seu pastor.
As aras
jamais incensa
de
Astreia, Minerva ou Marte,
mas Baco e
Pomona e Ceres
lhe riem
de toda a parte.
Mais
apertado não vive
na avita
cabana herdada,
que o rico
em salões de estuque,
de alta,
soberba fachada.
Em vez de
jardins estéreis,
faz
consistir seu prazer
em lhe à
porta verdejarem
as couves
que fez nascer.
Dorme em
colmo um sono inteiro,
enquanto,
em doirado leito,
o nobre se
volve, e geme,
de aflição
ralado o peito.
Ao lado
lhe dorme a esposa,
fiel,
inocente e bela;
o
filhinho, imagem sua,
dorme em
paz ao seio dela.
Se ela lhe
diz: – eu te adoro,
eu te
amarei toda a vida! –
de ser
verdade o que escuta
nem um
momento duvida.
Sabe que a
fé, que a virtude,
virtude
pura, ilibada,
dons mais
belos que a beleza,
são numes
da sua amada.
Ela não
vive no meio
da
corrupta mocidade,
que
adorna, envenena, empesta,
das cortes
a sociedade.
Não quer
brilhar nos passeios,
nem de mil
adoradores
vai
disputar nos teatros
os
suspiros e os louvores.
Passa a
noite ao pé do esposo,
entre os
filhos passa o dia,
o trabalho
a ocupa sempre:
ser infiel
poderia?
Da sua
família é toda,
nela
concentra a afeição,
que as
damas à intriga, às festas,
ao jogo,
aos enfeites dão.
Quer-se
ornar nos santos dias?
Não se
assenta ao toucador
em vez de
jóias brilhantes
procura
singela flor.
Para
arranjar seus cabelos,
nem corre
ao cristal da fonte;
não carece
de outro espelho,
tem seu
consorte defronte.
Ele lhe
ensina a maneira
por que
lhe ficam melhor;
ele lhe
diz em que sítio,
e como lhe
ajusta a flor.
Se lhe
agrada, está contente;
e vai de
inocência cheia
entrar com
ele nas festas,
nas festas
simples da aldeia.
Ah, Júlia!
Que sorte a de ambos!
Sem longas
filosofias,
sabem
melhor do que os sábios
desfrutar
serenos dias.
Os
princípios, os sistemas,
sonhos de
estéril vaidade,
jamais
tornaram ditosa
a
mesquinha humanidade.
Se existe
o bem sobre a terra,
se queres,
Júlia, este bem,
uma
aldeia... uma cabana...
ternura...
inocência... Ah, vem!
DEFENSA DE UM INCONSTANTE
(Cançoneta)
Desterra
teus vãos ciúmes,
festejo a
quantas são belas
mas sempre
a rainha delas
és tu,
Armânia cruel.
De teu
semblante as lindezas
adoro
noutros semblantes:
são meus
passos inconstantes,
é meu
coração fiel.
Não to
nego, com Armia
falo às
vezes em segredo;
não to
nego, este arvoredo
viu-me com
Lília brincar:
Porém com
Lília só brinco,
por ter
nos brincos teus modos;
de Armia os segredos todos
de Armia os segredos todos
os teus me
fazem lembrar.
..........................................
Se a
Ismene pedi cabelo,
foi só por
também ser louro;
fui rico
do teu tesouro,
sem o
obter da tua mão.
Amo em
Gertrúria o teu riso,
amo os
teus olhos em Jônia,
preso nas
cartas de Aônia
tua
escrita e discrição.
Um só
coração me coube,
e tu és a
flor das belas!
Nem mesmo
entre os braços delas
te fora
infiel jamais.
Por
distração tenho às outras
vezes mil
teu nome dado;
e até hoje
inda a teu lado
não tive
enganos iguais!
Meu
pensamento amoroso
é qual
Fovônio entre as flores,
que, a mil
sussurrando amores,
elege a
rosa entre mil;
Por todo
um jardim vagueia,
mas guarda
a afeição saudosa;
passa, e
lembra-nos da rosa,
da rosa
ingênua e gentil.
Quanto
mais julgas, ingrata,
perder a
tua conquista,
tanto mais
se aumenta a lista
dos teus
triunfos sem par.
De meu
coração te queixas
serem sem
conto as rainhas!
São
escravas, que não tinhas,
que vão
teu carro puxar.
Dez
Análias te abandono,
Jônias
duas, seis Temires,
e após
estas quantas vires
de
semblante encantador.
Armânia,
sobre áureas rodas,
por tuas
rivais tirada,
sobe, de
mirto coroada,
ao
Capitólio de amor!
Lá, sobre
as aras do nume,
jura um
prêmio aos meus ardores.
Quanto
amará teus favores
quem tanto
os desdéns te amou!
Depois,
sofre que ame sempre
em teu
sexo a todos grato
os pedaços
de um retrato
que a
natureza quebrou.
OS TREZE ANOS
(Cantilena)
Já tenho
treze anos,
que os fiz
por Janeiro:
Madrinha,
casai-me com
Pedro
Gaiteiro.
Já sou
mulherzinha,
já trago
sombreiro,
já bailo
ao domingo
com as
mais no terreiro.
Já não sou
Anita,
como era
primeiro;
sou a
Senhora Ana,
que mora
no outeiro.
Nos serões
já canto,
nas feiras
já feiro,
já não me
dá beijos
qualquer
passageiro.
Quando
levo as patas,
e as deito
ao ribeiro,
olho tudo
à roda,
de cima do
outeiro.
E só se
não vejo
ninguém
pelo arneiro,
me banho
com as patas
ao pé do
salgueiro.
Miro-me
nas águas,
rostinho
trigueiro,
que mata
de amores
a muito
vaqueiro.
Miro-me,
olhos pretos
e um riso
fagueiro,
que diz a
cantiga
que são
cativeiro.
Em tudo,
madrinha,
já por
derradeiro
me vejo
mui outra
da que era
primeiro.
O meu
gibão largo,
de arminho
e cordeiro,
já o dei à
neta
do Brás cabaneiro,
Dizendo-lhe:
“Toma
gibão,
domingueiro,
de ilhoses
de prata,
de arminho
e cordeiro.
A mim já
me aperta,
e a ti te
é laceiro;
tu brincas
com as outras,
e eu danço
em terreiro”.
Já sou
mulherzinha,
já trago
sombreiro,
já tenho
treze anos,
que os fiz
por Janeiro.
Já não sou
Anita,
sou a Ana
do outeiro;
Madrinha,
casai-me
com Pedro
Gaiteiro.
Não quero
o sargento,
que é
muito guerreiro,
de barbas
mui feras
e olhar
sobranceiro.
O mineiro
é velho;
não quero
o mineiro:
Mais valem
treze anos
que todo o
dinheiro.
Tão-pouco
me agrado
do pobre
moleiro,
que vive
na azenha
como um
prisioneiro.
Marido
pretendo
de humor
galhofeiro,
que vive
por festas,
que brilhe
em terreiro.
Que em ele
assomando
com o
tamborileiro,
logo se
alvorote
o lugar
inteiro.
Que todos
acorram
por vê-lo
primeiro,
e todas
perguntem
se ainda é
solteiro.
E eu
sempre com ele,
romeira e
romeiro,
vivendo de
bodas,
bailando
ao pandeiro.
Ai, vida
de gostos!
Ai, céu
verdadeiro!
Ai, páscoa
florida,
que dura
ano inteiro!
Da parte,
Madrinha,
de Deus
vos requeiro:
Casai-me
hoje mesmo com
Pedro
Gaiteiro.
CÂNTICO DA NOITE
Sumiu-se o sol
esplêndido
Nas vagas
rumorosas!
Em trevas o
crepúsculo
Foi desfolhando as
rosas!
Pela ampla terra
alargar-se
Calada solidão!
Parece o mundo um
túmulo
Sob estrelado
manto!
Alabastrina
lâmpada,
Lá sobe a lua!
Entanto
Gemidos d’aves
lúgubres
Soando a espaços
vão!
Hora dos
melancólicos,
Saudosos
devaneios!
Hora que aos
gostos íntimos
Abres os castos
seios!
Infunde em nossos
ânimos
Inspiração da fé!
De noite, se um
revérbero
De Deus nos
alumia,
Destila-se de
lágrimas
A prece, a
profecia!
A alma elevada em
êxtase
Terrena já não é!
Antes que o sono
tácito
Olhos nos cerre, e
os sonhos
Nos tomem no seu
vórtice,
Já rindo, e já
medonhos,
Hora dos céus,
conserva-me
No extinto e no
porvir.
Onde os que amei?
sumiram-se.
Onde o que eu fui?
deixou-me.
Deles, só vãs
memórias;
De mim, só resta
um nome:
No abismo do
pretérito
Desfez-se choro e
rúy
Desfez-se! e
quantas lágrimas
Brotaram de
alegrias! Desfez-se!
e quantos júbilos
Nasceram de
agonias!
Teu curso, ó
Providência,
Quem no previu
jamais?
Que horas
dest’hora tácita
Me irão
desabrochando?
Quantos nos fêz
cadáveres
Num leito o sono
brando!
Vir-me-ão co’a
aurora próxima
As saudações, os
ais?
Se o penso, tremo,
aterro-me;
Porém, se ao Pai
Supremo
Remonto o meu
espírito,
Exulto; já não
tremo,
A alma lhe dou;
reclino-me
No sono sem pavor.
Chama-me?
Ascendo à pátria;
Poupa-me?
Aspiro a ela.
Servir-te! ou
ver-te e amarmo-nos!
Que sorte, ó Deus,
tão bela!
Vem, cerra as
minhas pálpebras,
Virgem do casto
amor!
A NOITE DO CEMITÉRIO
Un cemetière aux champs !
Quel tableau | quel trèsor !
(LERGOUVÊ. La
Mélancolie)
Neste lugar solitário
Que faz mais
saudosa a noite,
Quero que ao mundo
fugido
O meu coração se
acoite.
Enquanto o
silêncio umbroso
Envolve o meu
hemisfério,
Venho sentar-me
sozinho
Da morte no ermo
império.
…………………………..
A noite reina; já
tudo
Dorme na próxima
aldeia;
A imensidade do
espaço
Se aclara co..a
lua cheia.
……………………………
Já na terra se
descrevem
Os vastos,
fendidos muros;
Já pelo chão se
retratam
Longos ciprestes
escuros.
Enquanto aos
ciprestes esguios troncos
Altos espectros se
abraçam,
Ou com mil formas
terríveis
Ante mim calados
passam,
Enquanto larvas
aéreas
Ao luar sentar-se
vão,
Além, de
escalvados crânios
Sobre terrível
montão;
Nestas ervas
recostado,
Neste deserto
profundo,
Conversei c..os
finados,
Filhos outrora do
Mundo.
Aqui onde há pouco
a terra
Parece que foi
volvida,
Que humano dorme?
Que humano
Saiu há pouco da
vida?
Em nome dos céus
responde;
Abre a terra; a
pouco e pouco
Se levanta; a voz
desprende
Do peito gelado e
rouco.
Quem és? Não temo;
declara:
Avança, tudo aqui
dorme.
Olha em torno tudo
é noite;
Avança fantasma
enorme.
Vem-te assentar ao
meu lado,
Aumenta-me o meu
terror;
De tuas compridas
roupas
Que importa o
medonho alvor?
Nem teu olhar
agoireiro?
Nem teus vagarosos
pés?
Nem tuas mãos descarnadas?
Nem tua palidez?
Mas que som se
escuta ao longe!
Os galos cantam na
aldeia,
Os galos? Vai pois
a noite
Apenas correndo em
meia.
……………………………….
Porque pois de mim
te afastas,
Fantasma? Porque
te esvais?
Deixou-me; somente
escuto
Ao longe seus
frouxos ais.
Tornou-se ao
perpétuo leito,
Dorme no seio do
nada,
Ante meus pés,
nesta terra
Recentemente
cavada.
Mas quem é?...
Não, não me engano:
A última que aqui
veio,
Foi tenra,
inocente virgem,
Trança escura e
branco seio.
Por pouco que a
minha dextra
Este terreno
escavasse,
Daria co..as mãos
unidas
Tocaria a fria
face.
Outrora Ninfa
entre os homens,
Outrora os passos
movia,
Era das festas a
glória,
Dançava, cantava e
ria.
De amores
lisonjeiros
Vivia sempre
cercada,
Com descantes
amorosos
Era à noite
acalentada.
Agora dorme
esquecida,
Agora, já não é
bela,
Ninguém celebra o
seu nome,
Ninguém suspira
por ela.
……………………………….
Tudo o que é belo
entre os homens,
Aqui recebe a
impressão
De afetos tristes,
mas doces,
Bem doces ao
coração.
Tudo o que é belo
entre os homens
Aqui é belo, mas
triste;
Todo o prazer
neste sítio
Todo em lágrimas
consiste.
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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