CARTA ÀS ESTRELAS
Ninguém
soletra mais vossos mistérios
Grandes
letras da Noute! sem cessar...
Ó tecidos
de luz! rios etéreos,
Olhos
azuis que amoleceis o Mar!...
O que
fazeis dispersas pelo ar?!...
E há que
tempos há já, fogos sidéreos,
Que ides
assim como uns brandões funéreos
Que levais
o Deus Padre a sepultar?!
Há que
tempos, dizei! - Há muitos anos?...
E, com
tudo, astros santos, desumanos,
A vossa
luz é sempre clara e igual!
Há muito,
que sois bons, castos, brilhantes!...
— Mas,
também... ó cruéis! sempre distantes...
Como dos
nossos braços o Ideal!
"EPITÁFIOS"
De uma
cocotte
Como era
bom pompear, em carros a Daumont,
sensacionais
chapéus!
Mas lá no
céu cristão que falta de bom-tom!
Não se usa
lá carmim, pó-de-arroz, nem lorgnon,
nem se
bebe Bordéus!...
De uma
mundana
Rainha dos
salões, mais formosas que as lendas
feéricas
do Erin!
O que te
há de afligir nestas horas tremendas
é aparecer
a Deus sem peignoir de rendas
e sem pôr
o teu carmim.
Da
Rigolboche
Deusa do
bacanal, foste a amável Naná,
ruidosa do
bom tom.
E se
acaso, nos céus, se baila como cá,
decerto já
piscaste um olho a Jeová,
dançando o
cotillon.
ROMANTISMO
Quando
ergue o transparente da janela,
Ou que o
seu quarto se inundou de luz,
Eu amo
vê-la, sedutora e bela,
— Longos
cabelos sobre os ombros nus.
Oh como é
bela! e como a fico a olhar,
Dos seus
cabelos desatando a fita!...
Lembram-me
as virgens que do austero Ermita
Vinham as
noites de orações tentar.
Oh como é
bela! - Tem na luz do olhar
Quais
violetas quando as fecha o sono,
Não sei
que doce e lânguido abandono,
Não sei
que vago que nos faz cismar!...
Como eu a
espreito, palpitante o seio,
Como eu a
sigo nos seus gestos vários,
Naquele
quarto, aquele ninho cheio
Da doce
voz dos joviais canários!...
Como eu
quisera ser, nos sonhos dela,
Um rei das
lendas, o fatal D. Juan,
pirata
mouro, em galeões à vela
Como
minaretes sob o céu do Iran!...
Como eu
quisera - e que vontade intensa!-
Só pelo
brilho dessa longa trança,
Ser
cavaleiro de invencível lança,
Ou rei
normando duma ilha imensa!...
Como eu
quisera, no seu pensamento,
Ser o rei
bardo no rochedo duro,
E ambos,
fugindo, recortar o vento,
Sobre a
garupa dum cavalo escuro!...
Se me
morresse, que comprido choro!
Como
vergara sob a cruz de Malta!
Como eu
deitara a minha trança d’Ouro,
Por causa dela,
duma torre alta!...
***
E assim
por ela fico preso, enquanto
O sol se
esconde no ocidente triste...
Um cravo
murcha, numa jarra, a um canto,
- E as
aves voam, debicando o alpiste.
AUTÓPSIA DO AMOR
O Amor —
essa paixão romanesca e fagueira —
que os
vates têm cantado em bemol comovido,
é, na
forma, uma coisa assaz brusca e grosseira,
como o
assalto da fera e o ataque do bandido.
Tal e qual
como o lobo ataca uma cordeira,
a empolga
e lhe crava o colmilho atrevido,
assim
ataca o Amor. — São da mesma maneira
o Espasmo,
a Fúria, o Uivo, o Estertor, o Rugido.
Nas
contorções do Cio e os seus enlaçamentos,
há o ardor
da Serpente, a enroscar-se nas preias,
e a
estrangular o touro enorme e mugidor.
E quer
cheire ao sertão, ou da Lais aos unguentos,
Nos
rosais, num covil, ou de Nero nas ceias,
— são
sempre os mesmos ais, o Pranto, o Espasmo, a Dor.
A CIDADE
Em vão
busco na velha e hostil Cidade,
Beata
amante, de gangrenas cheia,
As
dispersas raízes da Verdade,
Como uma
flor, num pátio de cadeia.
Quando,
alta noite, D. Juan passeia,
Ela
põe-lhe em leilão a mocidade...
Tratada
com a mística ansiedade,
Com que um
sábio cultiva a flor da Ideia.
Mas,
contudo, ninguém receia tanto
O áspero
Deus e o lenho sacrossanto
Da dorida
tragédia do Calvário...
E, ó D.
Juan, às luzes das estrelas,
Tu bem
sabes se encontras, nas ruelas,
Mais de
uma vez, perdido algum rosário!...
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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