AS AZINHEIRAS
São como
eu aquelas azinheiras
do
montado...
Como o
verão alegre põe doçuras
e sorrisos
no côncavo estrelado,
aprestam,
em sorrisos, seu toucado
e vão
erguendo ao céu os galhos novos.
Mas sob o
verde-claro dos renovos
o negro da
tristeza
se lhes
adensa, em rama, tristemente
nos
abrigos;
e quem as
vê por dentro já pressente
o inverno
que ameaça a Natureza:
-igual ao
que se adensa na minha alma,
igual ao
que não vêem meus amigos...
A PENEIRA
Aquele
pobre insensato
que
despreza o Permanente,
por um
prazer aparente
só por ser
imediato:
Lembra a
peneira doidinha,
tão doida
quanto fininha,
que,
conservando o farelo,
deixa
fugir a farinha...
REDENÇÃO
Goa bela!
Olha os
Gates em chama!
Olha a crista
revolta
que se
inflama!
Andam
tigres à solta
nos
bosques de Bengala!
É a Índia
que te fala!
É a Índia
que te chama!
Olha os
Gates floridos, Goa bela!
Seus
píncaros parecem mil canteiros
de corolas
subtis, multicolores;
nos seus
desfiladeiros,
a Água se
transforma em mar de leite
e o leite
em mar de Flores!
Eis a
Manhã de Glória, que desponta
num
clarão!
Goa! Olha
os Gates floridos!
Olha os
reflexos da Aurora
da tua
redenção!
Vês como,
além, o areal palpita
e as
arequeiras
suas copas
virentes entrelaçam
ao seu
calor?
No jangál
já vê o wág se não agita,
e,
alacres, despertam capoeiras,
e mil
casais se enlaçam
com
amor...
É o fulgor
da tua
manhã de Glória que os excita!
Ó Goa
bela, ouve os Gates cantando:
nos seus
mihares
de ôllos
seculares
— imensas
catedrais abobadadas —
acordam as
ninhadas!
A brisa do
Decão traz-nos, dos ninhos,
suas
canções:
parecem
luz a entrar aos bocadinhos
nos
corações!
Olha os
Gates, ó Goa, Goa bela!
Vê como as
verdes olas se espanejam
nos seus
palmares;
e os
bule-bules gárrulos festejam
a hora do
resgate!
O coco,
escrínio de oiro,
tingiu-se
de mais loiro,
e nas
searas das morodas
se aloira
mais o bate!
Goa bela!
Eis o
pólen da Vida
que Súria
vem verter nos teus jardins!
Abre à
Vida o teu peito:
o seu
beijo fecundo redimida,
a Natureza
juncará teu leito
de
mogarins!...
O Mar, teu
bardo antigo,
teu velho
amante,
estorce-se
em tuas praias suplicante,
esmolando
carícias:
(blandícias
de
traição...)
Mas não
lhe volvas teu olhar amigo,
ó Goa
bela!
O mar é um
inimigo:
se te traz
a monção,
também te
traz procela
e já te
trouxe a santa
Inquisição...
O Mar, teu
velho amante?
Tola a
paixão qu’inda por ele nutres!
pelos
trilhos
do seu
dorso gigante,
pombas de
brancas asas,
(por
dentro abutres
de goela
hiante...)
vieram
sobre ti banquetear-se
e te
servirem fogo em vez de luz:
e
mancharem teus lares
e
queimarem teus filhos,
teus
livros, teus tesouros, teus altares
frias,
pálidas mãos alçando a Cruz!
E com os
filhos queimados,
com os
livros perecidos,
os altares
destruídos
e os
templos profanados,
os teus
Deuses te deixaram,
os teus
sábios morreram
as
virtudes debandaram
e... os
abolins feneceram...
Hoje na
tua vida
tudo é
monotonia:
sem
ciência nem cultura, sem gênios nem poetas
vegetas...
Pobre mina
exaurida!
No ritmo
da ataxia
a seiva
produtiva
estancou
em tuas veias...
E crês-te
progressiva!
E pensas
iludir essa melancolia
caiando de
alvaiade as faces bronzeadas,
a fingir
de.... europeias!
Mas ficam
furta-cores...
Águias
ousadas
e
inquietas,
condores
ansiosos
de vida e de espaços,
teus filhos,
buscando
novos trilhos
abandonam-te
em triste debandada.
Uns
encontram a Glória, outros a Morte:
eles,
águias inquietas
na sua
sede de vida e de espaços!
Mas tu,
indiferente à sua sorte,
comes do
ganho dos seus braços
e
encostas-te às muletas
como uma
velha trôpega e cansada!
Eis a
lição,
“a
exploração”,
que te
legou a Europa, tua senhora:
ela
explorou-te outrora,
tu
exploras agora
os filhos
do teu próprio coração!
Pobre Goa,
tão pobre! Em que ignóbil carcaça
pôs a tua
alma d´ouro, a hora da desgraça!
Teu
cérebro esgotado
dormiu na
inconsciência!
E,
esquecido o passado,
interrupta
a História,
bate em
vão a alheias portas em busca da Ciência!
Vai em
balde a estranhas terras à procura da Glória!
Ó Goa
bela! Acorda!
Esquece-te
e recorda!
Esquece os
longos anos de desdita,
de miséria
infinita,
de
revolta, de luto, de opressão!
Esquece a
Inquisição,
e o
Jesuíta
que te
torceu a alma,
que te
deixou por arma
a
hipocrisia,
e cavou
mil abismos penetrantes
(fé,
costumes, língua, tradição...)
entre
os filhos
do teu ventre.
Esquece-te
das noites horrorosas
e
trágicas, de incêndios crepitantes
em que,
templo após templo,
campo após
campo,
se
consumia
o melhor
das riquezas portentosas
que no teu
seio havia.
Ó Goa
bela, acorda!
Esquece-te
e recorda!
Recorda a
tua História!
Folheia o
Livro de Ouro do Passado!
Volve às
eras de glória
em que
eras grande, em que eras moça e sábia,
em que os
homens do Pérsico e do Tigre
te vinham
ofertar corcéis da Arábia
e tu lhes
davas sândalo e gengibre;
em que os
teus cinco rios,
cantados
pelas
puranas santas
lavavam os
pecados
e eram
visitados:
rios cuja
água, bebida,
era uma
fonte de amor, doçura e vida!
Esses
tempos passaram,
estas
glórias morreram,
essas
árvores d´ouro feneceram,
e as águas
sagradas,
abandonadas,
se
profanaram...
Jamais um
batelão
de quilha
donairosa
flutuou
triunfante à tona do Zuari;
e a flor
da tradição
tremeu e,
pressurosa
fugiu de
ao pé de ti...
Outros
povos, porém, outros ares mais puros
e reinos
mais seguros
guardaram
com unção
o seu
botão.
Hoje,
desabrochada, as pétalas estrela
e estende
para ti:
E sobre o
gineceu — exulta ó Goa bela! —
surge, de
novo, ovante, a Deusa Lakximi!
E agora
olha a
manhã de glória que desponta
num
clarão:
É ela
— Ó Goa
bela!
São os
Gates floridos!
São os
reflexos da Aurora
da tua
redenção!
O GÊNESIS DA MULHER
Deus, logo
que fez as flores,
Parou e
pôs-se a cismar…
– Falta a
flor dos meus amores.
Vou outra
flor inventar.
Colheu
lírios e boninas,
Rosa…
cravo e malmequer,
Mogarins,
zaiôs e cravinas…
E fez de
tudo a mulher.
Viu,
porém, que a nova flor
Era a que
mais graça tinha
Disse,
então, cheio de amor:
– Não és
só flor, és rainha!
Pôs-lhe na
fronte a pureza,
Na boca um
terno sorriso,
No coração
a firmeza…
Esqueceu
dar-lhe… juízo.
CANÇÃO DO BHÁUL
Teus
caminhos, senhor,
teus
caminhos de amor,
perdidos,
oculta-os
a Mesquita,
a cobiça
infinita
da Igreja,
do
Pagode...
Aos meus
ouvidos
vibrou, há
muito já, o Teu apelo,
e a minha
alma deseja,
mas não
pode,
recolhê-lo...
No início
das Idades,
a Natureza
aceitou e
guardou teu mandamento
no
coração.
Só o homem
enjeitou o inestimável dote
só ele lhe
negou a alma p´ra retiro,
e
cometeu-o ao papiro,
ao livro,
ao sacerdote!...
E Tu ainda
lhe bates com frequência
à porta da
consciência.
Tu
mandas-lhes profetas, avatares,
com tuas
mensagens salutares,
num
grandioso exemplo
de
paciência!
Mas eles,
em resposta,
encerram-Te
num templo!
Sob as
grandes arcadas
Te
procuro,
nas
catedrais:
claustros
silenciosos,
naves
abobadadas
e
colossais,
da alva
Mesquita ao hipogeu escuro,
percorrem
tudo, aos rastos, meus joelhos
pressurosos.
Mil vezes
invoquei Teu nome puro!
Mil vezes
Te chamei «Senhor, Senhor»!
Mas sempre
em vão!
Folhas dos
Vedas, citas dos Evangelhos,
versículos
da Bíblia e do Corão
foi o que
vi,
mas nada
disso mata a sede ardente
da minha
alma por ti!
O Mundo é
o melhor Veda,
Bíblia
maior que a Bíblia é a criação.
O brâmane
segreda
as mantras
mansamente,
mas o
Livro da Vida está aberto por Tua mão:
deste-o Tu
a ler a toda a gente...
P´ra que
irmos a Meca ou Benares?
Acaso
quando estás num santuário,
é por
faltares
no
Universo inteiro
aos outros
meus irmãos?
Acaso as
proporções dum relicário
podem
conter a Tua astral grandeza?
P´ra quê
erguer-Te templos, se o primeiro,
se o mais
extraordinário,
é o
templo, sem par, da Natureza,
uma obra
das Tuas mãos?
Nesse
Templo admirável,
milhões
volvem
para Ti seus tristes corações...
O espectro
execrável
do Ulama
ou do Guru
escava
abismos mil, mil divisões
entre os
irmãos.
Mas eles,
grade a grade,entre as prisões,
dão-se as
mãos:
o seu
ideal és Tu!
Atende,
pois, Senhor, o seu suspiro.
Transforma
este retiro
desolador
num reino
de Alegria
e de Amor!
Que, no
livro da História,
as Tuas
graças,
chovendo
qual dilúvio varredor,
apaguem
para sempre a divisória
das
seitas, das nações, línguas e raças!
Que se
sinta embalada a Humanidade
suavemente,
no ritmo
astral da eterna sinfonia
da Tua
glória.
Nesse dia,
em
porvindouras eras
verás, por
fim, o Prometeu rebelde
acompanhando,
humilde, reverente,
Tua batuta
mestra,
na
Orquestra
das
Esferas!
---
Fonte:"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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