BEIJEMO-NOS, APENAS
Não. Beijemo-nos, apenas,
Nesta
agonia da tarde.
Guarda
Para um
momento melhor
Teu viril
corpo trigueiro.
O meu desejo
não arde;
E a
convivência contigo
Modificou-me
- sou outro...
A névoa da
noite cai.
Já mal
distingo a cor fulva
Dosa teus
cabelos - És lindo!
A morte,
devia ser
Uma vaga
fantasia!
Dá-me o
teu braço: - não ponhas
Esse
desmaio na voz.
Sim,
beijemo-nos apenas,
Que mais
precisamos nós?
OUVE, MEU ANJO
Ouve, meu anjo:
Se eu
beijasse a tua pele?
Se eu
beijasse a tua boca
Onde a
saliva é mel?
Tentou,
severo, afastar-se
Num
sorriso desdenhoso;
Mas aí!,
A carne do
assassino
É como a
do virtuoso.
Numa
atitude elegante,
Misterioso,
gentil,
Deu-me o
seu corpo doirado
Que eu
beijei quase febril.
Na vidraça
da janela,
A chuva,
leve, tinia...
Ele
apertou-me cerrando
Os olhos
para sonhar -
E eu
lentamente morria
Como um
perfume no ar!
SE DUVIDAS QUE TEU CORPO
Se duvidas
que teu corpo
Possa
estremecer comigo –
E sentir
O mesmo
amplexo carnal,
–
desnuda-o inteiramente,
Deixa-o
cair nos meus braços,
E não me
fales,
Não digas
seja o que for,
Porque o
silêncio das almas
Dá mais
liberdade
às coisas
do amor.
Se o que
vês no meu olhar
Ainda é
pouco
Para te
dar a certeza
Deste
desejo sentido,
Pede-me a
vida,
Leva-me
tudo que eu tenha –
Se tanto
for necessário
Para ser
compreendido.
ANDAVA A LUA NOS CÉUS
Andava a lua nos céus
Com o seu
bando de estrelas
Na minha
alcova
Ardiam
velas
Em
candelabros de bronza
Pelo chão
em desalinho
Os veludos
pareciam
Ondas de
sangue e ondas de vinho
Ele,
olhava-me cismando;
E eu,
Placidamente,
fumava,
Vendo a
lua branca e nua
Que pelos
céus caminhava.
Aproximou-se;
e em delírio
Procurou
avidamente
E
avidamente beijou
A minha
boca de cravo
Que a
beijar se recusou.
Arrastou-me
para ele,
E
encostado ao meu ombro
Falou-me
de um pagem loiro
Que
morrera de saudade
À
beira-mar, a cantar...
Olhei o
céu!
Agora, a
lua, fugia,
Entre nuvens
que tornavam
A inda
noite sombria.
Deram-se
as bocas num beijo,
Um beijo
nervoso e lento...
O homem
cede ao desejo
Como a
nuvem cede ao vento
Vinha
longe a madrugada.
Por fim,
Largando
esse corpo
Que
adormecera cansado
E que eu
beijara, loucamente,
Sem
sentir,
Bebia
vinho, perdidamente
Bebia
vinha..., até cair.
Á MEMÓRIA DE FERNANDO PESSOA
Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os
dias, como antigamente,
Falar-me
nessa lúcida visão
-
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu
pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre
e grande e genial artista,
O que tem
sido a vida - esta boemia
Coberta de
farrapos e de estrelas
Tristíssima,
pedante, e contrafeita,
Desde que
estes meus olhos numa névoa
De
lágrimas te viram num caixão;
Se eu
pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos
à mesma:
Tu, lá
onde
Os astros
e as divinas madrugadas
Noivam na
luz eterna de um sorriso;
E eu, por
aqui, vadio da descrença
Tirando o
meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por
cá vai indo como dantes;
O mesmo
arremelgado idiotismo
Nuns
senhores que tu já conhecias
-
Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma
intriga; as horas, os minutos,
As noites
sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo
igual! Acordando e adormecendo
Na mesma
cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar
e em tudo a mesma posição
De
condenados, hirtos, a viver
- Sem
estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas,
escutai-me: transformemos
A nossa
natural angústia de pensar
- Num
cântico de sonho!, e junto dele,
Do
camarada raro que lembramos,
Fiquemos
uns momentos a cantar!
ANDA VEM
Anda
vem..., porque te negas,
Carne
morena, toda perfume?
Porque te
calas,
Porque
esmoreces,
Boca
vermelha - rosa de lume?
Se a luz
do dia
Te cobre
de pejo,
Esperemos
a noite presos num beijo.
Dá-me o
infinito gozo
De contigo
adormecer
Devagarinho,
sentindo
O aroma e
o calor
Da tua
carne, meu amor!
E ouve,
mancebo alado:
Entrega-te,
sê contente!
- Nem todo
o prazer
Tem vileza
ou tem pecado!
Anda,
vem!... Dá-me o teu corpo
Em troca
dos meus desejos...
Tenho
saudades da vida!
Tenho sede
dos teus beijos!
---
Fonte:
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário