O DESCONTO
CONTOS ARGELINOS
Como foi contado aos leitores, o
canato de Al-Bandeirah, depois de arrotar muita farofa, que fazia e acontecia,
acabou por comprar a não-invasão das tropas de Abu-Al-Dhudut por bom dinheiro.
Essa província de Al-Bandeirah,
como se sabe já, é governada por vários magnatas e algumas famílias, entre
aqueles conta-se o cide Cinsin Ben-Nhato, que é, a bem dizer, o general da
oligarquia do canato.
Ele, quando os tais cultivadores
de tâmaras gastam á vontade e ficam encalacrados, corre ao sultão e diz cheio
de choro e lábia:
— Majestade; os cultivadores de
tâmaras estão morrendo de fome; o produto da venda não paga as despesas que dá
o seu cultivo; os grandes empregam toda a sua fortuna para que ele baixe. Ai
ele faz uma pausa e continua alteando a voz:
— E preciso que Vossa Majestade
cá ao encontro das necessidades dessa pobre gente que tanto concorre para a
grandeza do reino que é de Vossa Majestade.
— Mas como, cide?
— Como? Dando-lhes dinheiro,
Majestade.
— Não tenho. O meu tesouro está
esgotado.
— Majestade: o poder de Vossa
Majestade é grande e há um meio.
— Qual?
— Vossa Majestade decrete um
imposto sobre os mendigos do reino que haverá dinheiro para socorrer os
miseráveis cultivadores de tâmaras.
Os sultões todos lhe fazem a
vontade e os de Al-Bandeirah se blasonam de ricos e trabalhadores.
Há outros casos que hei de
contar-lhes, mas agora quero lembrar um muito típico.
Os tais de Al-Bandeirah tinham,
como já foi narrado, comprado um príncipe irmão de Abu-Al-Dhudut para que este
não invadisse com as suas tropas o canato.
O príncipe, que era seguro, foi
em pessoa buscar o preço do negócio.
Trotou várias e muitas léguas em
camelo e chegou à capital da província ex-semi-rebelde.
Falou ao clã e este mandou ordem
ao seu tesoureiro, para que lhe pagassem trezentos e cinqüenta mil piastras.
O irmão de Abu foi logo á
presença do funcionário que lhe disse:
— Príncipe: Vossa Alteza poderá
ir para o palácio de Vossa Alteza que o dinheiro irá lá ter.
De fato assim foi e um empregado
do tesouro lá chegou com os sacos de ouro.
Esperou este que o príncipe
contasse o dinheiro. Acabou e exclamou furioso:
— Mas faltam trinta e cinco mil
piastras.
— Príncipe: é a minha
porcentagem. Dez por cento.
O irmão de Abu calou-se.
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Nota:
Lima Barreto: "Histórias e Sonhos" (1920)
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