A VAQUEIJADA
Ao Dr. Annibal Pereira
Foi coisa d’uns
vinte ano.
*
Na Fazenda do
Moitão,
eu fiz, n’uma
vaquejada,
a mais grande das
currida
dos sertão do meu
sertão.
Mais de vinte
boiadêro,
vindo de todo
lugá,
tinha chegado de
fora
prá pega do
boi-Crôá.
Há munto tempo ele
andava,
pulos mato
amucambado,
disafiando os
vaquêro
da minha terra
natá.
Boca Negra, Chico
Quebra,
Liôpôrdo Cabeça
Sêca,
Zé Braúna,
Mâoquitóla,
João Furréca, Zé
Cachimbo,
Manué Francisco
Pelado...
os cabra mais
surungado,
chegava naquele
dia
prá péga do
arrenegado,
o boi de mais
arrilia!
João Peráo, que
era um vaquêro
de mais de oitenta
janêro,
nacido no Ciará,
inda sendo
chamurrinho,
tinha insinado o
boizinho
prá não dexá se
pegá.
Aquele boi
rebolêro
nunca teve no
currá.
João Peráo era o
avô
d’uma linda
cabrochinha
d’uns óio munto
quiláro
e uma bunita
carinha,
que tinha o nome
de — Amparo,
mas porém que era
chamada
lá na Fazenda: — A
Lindinha.
O véio, que, no
seu tempo,
foi o mais grande
campêro,
e dos cabeça de
campo
o premêro sêmpe
foi,
jurou, prú vida e
prú morte,
que a Lindinha só
casava
cum o curibóca de
sorte
que inxucaiásse
esse boi.
Quando eu pensei,
meu patrão,
um dia casá cum
ela,
senti frio na
ispinhéla,
e cósca no
coração.
A cabrocinha era
linda
cumo a frô do
mussambé!
Tinha relampo nos
óio,
que nem fôia de
quicé!
Foi dendê
piquinininha
que eu amava a ela
ansim...
Quando eu não via
Lindinha,
ficava longe de
mim!
Prá quê tá róbando
ainda
o tempo de
vassuncê,
se é impussive
dizê
cumo Lindinha era
linda?!
Se aqueles grande
vaquêro
vinhéro lá
d’outras banda,
cum tamanha
afobação,
não foi só prú
móde a neta
de João Peráo, meu
patrão!
Foi prá fazê meu
cavalo
perde a fama que
tinha
prú todo aquele
sertão!
Mas porém, patrão,
eu ria
de toda essa
cabruada,
pruquè eu, patrão,
cunhicía
a corage do
cavalo,
que se chamou: —
Ventania!
Nos sertão da
Paraíba,
de Maceió, da
Bahia,
do Piauí... do
Ciará...
a fama desse animá
de boca im boca
curria.
...................
Agora eu vou li
falá
do casarão da
Fazenda,
prá vassuncê me
iscutá.
O casarão da Fazenda
táva no meio da
varge
de rastêro
capinzá.
D’um lado táva a
muenda,
a roda da
bôlandêra,
o ingenho de muê
cana,
tândo a casa de
farinha
do outro lado de
lá.
O currá de pau a
pique,
junto a ipuêra
aguaçada,
cercado de
xique-xique,
era a casa da
boiada.
No pé da serra,
prú baxo
dos verdoso catolé
que assombriava o
terrêro,
táva as casa de
sapé,
que era os rancho
dos vaquêro.
Ha munto já que
era noite!
Os cabra, naquela
hora,
os que chegáro de
fora,
já táva tudo
arranchado,
nos seus fiango
deitado,
iscutando o
Mãoquitóla,
brincando cum os
cinco dedo
na boca d’uma
viola!
óiando a cara da
lua,
iscundida atrás do
tronco
do impinado
macujé,
Manué Pelado
cantava
uns acalanto tão
triste,
que lá prá os mato
avuáva,
cumo a percura do
ninho
d’um coração de
muié.
Manué Pelado
cantava!...
Mãoquitóla
acumpanhava!
E esse violêro
mingóla
só pindurou a
viola,
quando o galo
romanisco,
fogoso, as asa
bateu,
sortando o grito
sôdoso
do prêmêro
disafio,
e acordando os
cupanhêro,
que, de longe,
arrespondeu!
Tudo entonce
arrépozava!
A vaquêrama
roncava!
Não se uvía mais
um pio,
a não sé o disafio
dos sapo, dento
dos brêdo,
os cachorro da
Fazenda
latindo prás
sombra roxa
das foiáge do
arvoredo,
e, longe, n’uns
arripio,
o choro doce e
macio
desse violêro o —
Silenço —
cantando...
chorando as magua
nas corda d’água
do rio!
Toda a Fazenda
drumía!
Táva a noite que
nem dia!
A lua inté paricia
uma frô dos
aguapé,
e as istrela era
as abêia,
de todo o lado
avuando,
prá vim chupa o
seu mé!
Vendo a lua cumo
táva,
váincé jurava,
jurava
que as água que lá
da crista
da serra vinha
rolando,
era o lua que caia
do céo e, branco,
iscurria,
nas pedra se
isfrangaiando!
Ansim, levei artas
hora,
pitando o meu
catimbáo,
inté que ferrei no
somno,
pensando no meu
cavalo,
e nela... (o
patrão já sabe!...)
a neta do João
Peráo.
...................
De minhã, quando
acordei,
cum os suspiro das
foiáge,
saluçava as
ribaçã!
O Só — rocêro do
céo —
quêmáva os mato
das nuve,
na quêmada da
minhã!
Cum a passarada a
cantá,
a vaquêrama
acordando,
foi os cavalo
arriando,
prá viage cumeçá.
Cum a roupa toda
de couro:
Boca Negra, n’um
turdío;
Chico Quebra, n’um
pedrez;
Cachimbo, n’um
alazão;
Liôpôrdo Cabeça
Seca,
n’um lindo russo
pratiado;
Zé Braúna, n’um
cardão;
Mãoquitóla, n’um
fouvêro;
Furréca, n’um
russo pombo;
Manué Francisco
Pelado,
n’um bagacêro
mazombo,
um cavalo
trupizúpe,
cum um fucinho de
gambá...
os cabra mais
famanado...
já táva tudo
amuntado,
correndo daqui prá
lá.
Meu cavalo
Ventania,
que tinha uma
istrela branca
purriba mêmo da
testa,
e apostando uma
carrêra
cum o vento, o
vento perdia,
batendo o pé,
iscarvando,
e óiando prá
cabôquinha,
rinchava inté de
aligria.
Seu capitão
fazendêro
deu o siná da
partida,
e a vaquêrama
partia.
*
a Fazenda se
assumia,
e a cabôquinha
indiabrada,
num guabijuêro
atrepâda,
ainda adeus me dizia!
...................
Os vaquêro já
sabia,
mais ou mêno, onde
pastava
esse bôióte
mardito,
que im toda parte
morava.
Era prá raiz da
serra
que pastava o
barbatão:
logo, entonce, lá
prá serra
a gente trôcêu a
mão.
Um carguêro que
tópêmo
na meia lua da
istrada,
disse té visto o
bôióte
na sumana
arretrazada.
Pulos sina que ele
dava,
se não era a
caruára,
o diabo do boi
andava
cruzando a varge
da Arara.
*
im caminho lá da
serra,
a gente já tinha
andado
um bom pedaço de
terra.
O dia táva no
meio,
e o Só quente de
matá!
Entonce,
disapiêmo,
e fumo tudo
armuçá.
Tirando o armoço
do arfórge,
que já táva
apreparado,
o armoço era tão
gostoso,
que im mêno de
dois minuto
a gente táva
armuçado.
Rapadura cum
farinha!...
Meu Deus!... Que
sastifação!
Ai, que sôdade das
água
que tem o chêro da
terra,
e esse gosto de
sereno
das cacimba do
sertão!
...................
Já tândo tudo
armuçado,
de novo, tudo
amuntado,
caminhando lá prá
varge,
cum Deus e a Virge
Maria,
fumo siguindo a
viage.
As duas hora da
tarde
a gente se
suparou.
Cada um da
vaquêrama
o seu atáio tumou.
Rezei prú mim, prú
Lindinha,
prú meu cavalo, e,
despois,
sortando a camba
do freio,
pidi a Deus que
levasse
pulos caminho a
nós dois!
Fui andando! Fui
andando!
O Só, patrão,
discambava,
quando eu passava
na bêra
d’uma pequena
lagoa,
e uvindo cumo o
mugido
do boióte amucambado,
ispirrei pulos
ispinho,
cumo um diabo
ispritado.
O mato táva
crivado
dos istrépe mais
danado!
Mandacaru,
xique-xique,
lambe-bêço,
parmatóra,
faxêro e crôa de
frade,
macambira, unha de
gato...
é os ispinho mais
duro
que a gente
incontra nos mato!
Desses ispinho,
patrão,
o sangue já
iscurria
da minha cara e
das mão,
cumo iscurria,
vremêio,
do peito de
Ventania,
desse cavalo
turéba!
Tumei mêmo pulo
buzo
um trago de
manduréba.
Mas porém, quando
o cavalo
amarrava n’um
oiti,
lá, da perna da
baxada,
de donde o vento
assoprava,
parece que inda
isentava
o mugido que eu
uví!
Sartei de novo na
sela,
sôrtei a camba do
freio,
na istrela branca
da testa
bati ansim, cum
esta mão,
e me afundei pulas
sombra
dos ispinho do
grotão!
Pulando, cumo um
danado,
fui rompendo mato
a dento!...
Era impussive,
patrão,
ficá na sela um
momento!
Os gaio seco das
árve,
os ramo dos
móróró,
o arrendado dos
cipó...
é uma infernêra, é
um pirigo!...
É o mais lapiado
inimigo!
É a morte, sim,
meu patrão,
e morte tão
disgraçada,
que sementes pula
sorte,
pulo sabê campiá,
um hôme pôde
iscapá
do istrépe frio da
morte!
Às vez, um hôme,
patrão,
tem de ficá prú
dibáxo
da barriga do
animá,
que vai baxando,
baxando,
cum a gente, rente
do chão,
sem na carrêra
apará!...
É uma coisa
naturá!
O hôme foge da
morte,
e o animá quê se
sarvá!
*
Vassuncê tá
custumado
a vê só essas
porquêra
das curtida de
bestêra
da Capitá, meu
patrão!
Não pode fazê
indéa
do valô da
cabruada,
no corrê das
vaquejada
das terra do meu
sertão.
Esses cavalo
cumprido,
fidargo, de perna
fina,
não vale, não, meu
sinhô,
o cavalo d’um
vaquêro,
que é manso, cumo
um amigo,
mas porém, vendo o
pirigo,
é um animá de
valô.
Currida n’um campo
aberto,
é munto bom de
corrê!...
Mas porém, mande
esse Joke,
vistido de
bunequinho,
corrê nos mato de
ispinho...
e entonce é que eu
quero vê!...
*
Patrão, discurpe!
Eu dizia
que pulos mato
curria
no sucáro do Crôá,
quando isbarrei,
de repente,
uvindo lá p’ra
outras banda,
danado, o buzo
assoprá!
Vortei prá atrás!
Cum certeza,
eram argum dos
cumpanhêro,
que tinha
inxergado o vurto
desse boi
caromboêro.
Vim topá cum o
Mãoquitóla,
que táva assoprando
o buzo,
na ponta d’uma
chapada,
chamando, cum
desispêro,
pulos outro
camarada.
Im mêno de dez
minuto,
n’uma valente
currida,
a vaquêrama
chegando
de toda banda,
afobada,
já táva ali
riunida.
Mãoquitóla, esse
vaquêro
que dos sertão da
Bahia
o prêmêro sêmpe
foi,
apontava prá o
caminho,
adonde táva o
sucáro
das pisada desse
boi.
Prú dibaxo da
coirama
os coração
parpitava!
O Crôá não munto
longe
daquelas mata
pastava.
Táva a gente
arrezôrvendo
o cerco do boi,
patrão,
quando passava a
boiada,
cum os boiadêro
guiando,
uns atraz e outros
cantando
na frente do
boiadão.
Tinha fartado um
campêro!...
Zé Braúna... Sim,
sinhô!
Mãoquitóla pega o
buzo
e cum sustança
assoprou,
quando um boi...
um boi arisco,
pulos mato adisparou!
Os outro foi
istórando
prá todo os lado
da istrada,
cum a armação
alevantada,
n’uma carrêra
inferná,
que inté fazia
pensá
que o mundo se ia
acabá
naquela grande
istralada!
Era o arranco da
boiada!
Cum seiscentos mir
diabo!...
Era prá dá o
cavaco!...
Apois se tinha
perdido
todo o siná do
sucáro
do Crôá, do boi
veiáco!
Caía a tarde,
patrão!
Mais longe, um
tamarinêro,
cum o Só purriba
das fôia,
lá num monte
impulêrádo,
paricia um passo
verde
cum o seu tupéte
incarnado.
Cada um, de vez im
quando,
no buzo um assopro
gimia,
prá iscutá se o Zé
Braúna
cum outro assôpro
arrespundia.
E, cumo a noite
caía,
nossos cavalo
amarrando,
cada quá, naqueles
mato,
bem ou má, foi-se
deitando.
A sela é um bom
cabecêro,
macio, cumo ele
só!
Era noite! Já se
uvia,
lá, na serra, os
noitibó!...
Despois, entre a
iscuma verde
d’uma moita de
tabóca,
a lua vinha
nacendo,
cumo um bolo de
mandioca.
Manué Pelado, o
ciarenço,
cum o bahiano
Mãoquitóla,
cantava outro
disafio,
sem as corda da
viola.
E, ansim, uvindo
os dois cabra,
pitando o meu
catimbáo,
ferrei no sono,
pensando
no meu cavalo e
sonhando
cum a neta do João
Peráo!
...................
De minhã, quando
acordei,
e, cumo os outro
vaquêro,
fui meu cavalo
arriá,
butei o buzo na
boca,
apois o Manué
Pelado,
esse ladrão
disgraçado,
que veio lá do
Ciará,
tinha, de noite,
róbádo
o meu cavalo
adorado,
dêxando o seu
trupizúpe,
o seu cavalo
zarôio,
cum o fucinho de
gambá!
Mas porém, eu bem
sabia
que o ladrão não
cunhicia
o segredo lá da
istrela
do meu alazão
dorado!
Não se batendo na
istrela,
o cavalo não
curria,
era um pangaré
pesado!
E Ventania sabia
que já não era seu
dono
que táva nele
amuntado!
Se eu tivesse um
bom cavalo,
quem sabe se inda
eu pudia
pegá o Manué
Pelado?!
Liôpôrdo Cabeça
Sêca,
que era um vaquêro
danado,
jurou prá mim que
ele havára
de arcançá meu
Ventania
cum o seu russo
Pratiado!
Bem sei o que ele
quiria,
esse cabra
iscumungado!
Não teve um só
cumpanhêro
que não sintisse,
patrão!
Cumo é que um
hôme, cantando
cumo esse hôme
cantava,
pudia sê um
ladrão?!
E dendê aquele
momento,
nem mais no boi se
falou!
Os campêro,
ispóriado,
nos seus cavalo
amuntou!
O que haverá eu de
fazê?!
Amuntei no
trúpizúpe,
no pangaré do
Pelado,
e dei de ispóra a
valê!
D’aqui, d’ali,
d’acolá,
infim... de todos
os lado,
era pérciso ataiá
esse cabrocha
safado!
A gente entonce
ajustou
que o prêmêro que
inxergasse
Manué Pelado,
assoprasse
no buzo, cum toda
a força
que Deus nos peito
butou!
...................
Meia hora já
passada!
Inda nem buzo!...
Nem nada!
Táva andando ao
Deus dará,
amuntado no
tanjão,
no cavalo do
ladrão,
quando inxerguei o
Crôá,
fugindo da
cavalada,
n’uma grande
disparada,
— farsiá n’uma
barrêra,
e rolá, na
ribancêra,
prós fundo d’um
cacimbão!
N’um abri e fechá
dos óio,
butei a mão do
mardito
travessada na
armação!...
Cortei um pau n’um
Pau Ferro,
puz no pescoço o
cambão,
butei despois o
xucáio...
e fui me imbora,
siguindo,
a percura do
ladrão!
Mais adiente,
patrão,
(vêje a sorte cumo
é!)
firido de metê dó,
táva o Braúna
deitado
na sombra de um
bóróró!
Contando o causo
passado,
eu disse que ele
pudia
dizê pró véio, pró
avô,
que ele táva ansim
firido,
pruquê foi ele
somentes
quem deu no boi a
mussica,
e, despois,
inxucaiou.
Eu sabia que esse
cabra
trazia pula
bichinha
o peito cheio de
amô.
Contei que o Manué
Pelado
tinha o cavalo
róbado,
e, sem o meu
cumpanhêro,
não pudia ali
ficá!
Dexava de sé
vaquêro,
prá nunca mais
campiá!
Eu disse pró Zé
Braúna:
“Zé Braúna, se eu
topasse,
agora, o meu
Ventania,
inda sortava o
Crôá,
prá despois,
n’outra currida,
esse boi inxucaiá,
e entonce, cum
orguio e glóra,
cum a Lindinha me
casá”.
Não acabava a
prépósta,
que fazia pró
cafuzo,
quando, de todos
os lado,
uvi o grito dos
buzo!
Era os vaquêro
correndo
no meio do
discampado,
atraz da sombra
mardita
do ladrão
arrenegado!
Liôpôrdo Cabeça
Sêca,
cabra sarado e
valente,
galopando a todo
freio,
era o que vinha na
frente.
Boca Negra, cum o
cavalo
trupicando na
carrêra,
tinha caído,
firido,
ao pé d’umas
pacovêra.
Chico Quebra e Zé
Cachimbo,
travessando um
córgozinho,
apontava lá prá
longe,
prá istirada do
caminho.
João Furreca e
Mãoquitóla,
do outro lado da
serra,
varava um mato de
ispinho.
Liôpôrdo, sêmpe na
frente,
riscando,
tútúbiou;
e, cumo
dizadorado,
prú té perdido de
vista
o miserave, o
marvado,
puxando o freio...
isbarrou.
Eu vinha atraz!...
Mas porém,
quando arcancei o
Liôpôrdo,
que ainda táva
aparado
no xancro da
incruziada,
o ladrão ia
cruzando
o atáio d’uma
picada!
Foi tanta a
sastifação,
que se eu não
tapasse a boca,
ficava sem
coração!
Liôpôrdo Cabeça
Sèca
me disse entonce:
“Eu te juro
que im mêno de
três minuto,
o meu Russo
Pratiado
vórta aqui cum o
teu cavalo,
esse cuéra
famanado!”
................ E
disparou!
Ele curria!... Eu
curria!
Ele, na frente!
Eu, atraz!
Liôpôrdo,
dizimbestado,
cada vez curria
mais!
Cada vez mais, meu
patrão,
Liôpôrdo Cabeça
Sêca
ia ficando mais
rente,
mais pertinho do
ladrão!...
Curria!...
Curria!... E quando
a mão dereita istendia
prá agarrá no
tapití!...
Quando assuntei,
quando eu vi
que esse cabra só
quiria
dishonrá meu
Ventania,
meu cavalo
dishonrá,
eu li ensinando o
segredo,
gritei pró ladrão:
“Mardito
Bate na istrela da
testa,
e corre e foge sem
medo,
que nem Deus te
pegará!”
*
Ai! patrão!
...................
Im mêno de dois
minuto,
férmoso, socando a
terra,
vi meu cavalo
assubindo,
avuando, cumo uma
pena,
pulas groguéia da
serra,
dêxando o Cabeça
Sêca
atraz, prá atraz,
munto atraz,
imquanto eu
chorava e ria,
mandando pró meu
cavalo,
que lá no espigão
da serra,
do outro lado se
assumia,
— um adeus, prá
nunca mais!
...................
*
Perdi a muié, que
amava,
e esse animá, que
adorava,
cumo eu nem sei
dizê, não!...
Mas porém sarvei a
fama,
sarvei a honra e a
nobreza
do meu cavalo,
patrão!
LUAR DO SERTÃO
(Letra de música)
Não há, oh
gente
oh não, Luar
Como esse do
sertão
Oh que
saudade
Do luar da minha
terra
Lá na serra
branquejando
folhas secas pelo
chão
Este luar cá da
cidade
Tão escuro
Não tem aquela
saudade
Do luar lá do
sertão
Não há, oh
gente...
Se a lua
nasce
Por detrás da
verde mata
Mais parece um sol
de prata
Prateando a
solidão
E a gente
pega
Na viola que
ponteia
E a canção
É a lua cheia
A nos nascer do
coração
Não há, oh
gente...
Coisa mais
bela
Neste mundo não
existe
Do que ouvir-se um
galo triste
No sertão, se faz
luar
Parece até que a
alma da lua
É que
descanta
Escondida na
garganta
Desse galo a
soluçar
Não há, oh
gente...
Ah, quem me
dera
Que eu morresse lá
na serra
Abraçado à minha
terra
E dormindo de uma
vez
Ser enterrado
Numa grota
pequenina
Onde à tarde a
sururina
Chora a sua viuvez
Não há, oh
gente...
AI DE MIM!
Foi um sonho te
querer com doido amor
Foi loucura
penhorar-te o coração
Dá-me mesmo assim
ferido esse penhor
Não te peço nem te
imploro gratidão
Guardo dentro
deste peito por te amar
Uma dor que sempre
e sempre cresce mais
Nem a tua
ingratidão me vem matar
Nem a tua
ingratidão me abranda os ais
Ai de mim! Ai de
mim!
Por que matar-me
assim?
Por que matar-me
assim?
Este amor, ó este
amor, me foi fatal
Nunca mais o meu
sossego encontrarei
Tu, travessa,
sorridente e jovial
Eu, em busca de
minh’alma que te dei
Mas não posso te
dizer por que razão
É mais doce o
azedume desta dor
Serei teu e teu
será meu coração
Não te posso, ó
não, negar tão santo amor!
CHICO BELEZA
Pulas areia da
istrada,
Cum as perna já
meia bamba,
Um dispotismo de
gente
Vinha cantando num
samba,
Fazendo grande
berrêro!
Quem puxava a
istruvunca
Era o Manué
Cachacêro,
O mais grande dos
violêro,
Que im todo sertão
gimia!
E era ansim que
ele cantava
E no canto ansim
dizia:
"Diz os véiu
de outras éra
que quando São
João sintia
sôdade de Jesú
Cristo
e de sua
cumpanhia,
garrava logo na
viola,
prá chorá sua
sôdade
e a sua
malincunía!
Entonce logo os
apóstro,
Assombrando o
istruvío,
Cada um seu pé de
verso
Cantava no desafío
A Mãe de Cristo
chorava
e as agua que
derramava
da fonte do
coração,
caia nas corda
santa
da viola de São
João!
Pru via disto é
que o pinho,
instrumento sem
rivá,
quando se põe-se
chorando,
se põe-se a gente
a chorá".
Foi aí, nesse
festêro,
que vi o Chico
Sambêro,
um sambadô sem
sigundo,
mas porêm feio,
tão feio,
que toda gente
dizia
que foi o hôme
mais feio
que Deus butou
neste mundo!
Tinha cara de
preguiça,
cabeça de mono
véio,
e pescoço de
aribú!
A boca, quando se
ria,
taquarmente
parecia
a boca de um
cangurú!
Tinha as oreias de
porco
e os dentes de
caitetú!
Tinha barriga de
sapo,
e o nariz,
impipocado,
figurava um
genipapo!
Os braços era
taliquá
dois braços
sirigaitado
d′ um veio
tamanduá!
Os óios - dois
berimbau!
As pernas finas
alembrava
as pernas d′ um
pica pau!
O queixo de
capivara
tinha um bigode
pru riba,
que quase tapava a
cara!
O cabelo surupinho
era, sem tirá nem
pô,
cabelo de porco
espinho!
Im conclusão, prá
findá,
tinha os dedos de
gambá,
os hombros redondo
e chato
e os pé que nem pé
de pato!
Inda mais prá
cumpletá
aquela
xeringamança
e feiúra de
pagóde,
o hôme quando se
ria,
era um cavalo
rinchando,
e quando táva suando,
tinha um ôroma de
bóde.
Apois bem. Esse
raboeza,
que era prú todas
as bocas
chamado: Chico
Beleza;
esse horríve
lobizome,
que era mais feio
que a fome,
mais feio que o
Demo inté
quando as pernas
sacudia,
sambando nargum
banzé
enfeitiçando as
viola,
apaixonando as
muié,
trazia tôda as
cabôca,
cumo um capaxo,
dibaxo,
das duas sóla do
pé!
O AZULÃO E OS TICO-TICOS
Do começo ao fim
do dia,
Um belo azulão
cantava,
E o pomar que
atento ouvia
Os seus trilos de
harmonia
Cada vez mais se
enflorava.
Se um tico-tico e
outros bobos
Vaiavam sua
canção,
Mais doce ainda se
ouvia
A flauta desse
azulão.
Um papagaio,
surpreso
De ver o grande
desprezo
Do azulão, que os
desprezava,
Um dia em que ele
cantava
E um bando de tico-ticos
Numa algazarra o
vaiava,
Lhe perguntou:
"Azulão,
Olha, diz-me a
razão
Por que, quando
estás cantando
E recebes uma
vaia
Desses garotos
joviais,
Tu continuas
gorjeando,
E cada vez cantas
mais?!"
Numas volatas
sonoras,
O azulão lhe
respondeu:
"Meu amigo,
eu prezo muito
Esta garganta
sublime,
Este dom que Deus
me deu!
Quando há pouco,
eu descantava,
Pensando não ser
ouvido
Nestes matos, por
ninguém,
Um sabiá que me
escutava,
Num capoeirão,
escondido,
Gritou de lá:
"meu colega,
Bravo!....Bravo!...Muito
bem!"
“Queira agora me
dizer:
Quem foi um dia
aplaudido
Por um dos mestres
do canto,
Um dos cantores
mais ricos
Que caso pode
fazer
Das vaias dos
tico-ticos?!”
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