HÓSPEDE ILUSTRE
CONTOS ARGELINOS
Todos os dias, anunciam as folhas
a chegada de um hóspede ilustre, estampando-lhe algumas vezes o retrato. O Rio
de Janeiro, se não está ficando o Instituto de França ou a Royal Society de
Londres, pode bem ficar sendo o Museu do Trocadero.
Não me canso de ler tais notícias
e causa-me assombro que semelhantes sumidades não figurem no Larousse e em
outras publicações congêneres.
Não vem isto, porém, ao caso. O
que estas linhas tencionam é protestar contra a omissão que eles fizeram, do
nome do ilustre marroquino Mulay Mâlek Ben-Bélek.
Ele vem superintender a
construção do pavilhão de Marrocos que será erguido no estilo original daquele
próspero império.
Os materiais empregados, como se
sabe, são caniços e uma argamassa feita de bosta de camelo e lã de carneiro.
Como aqui não havia camelos, portanto, o primeiro elemento da aludida
argamassa, o imperador de Marrocos fretou um barco suíço e atestou-o daquele
primordial elemento dos pártenons dos seus domínios. Vai ser uma lindeza,
debaixo da féerie iluminativa que o senhora Carlos Sampaio contratou com os
seus amigos americanos e vai nos custar os olhos da cara. Diz-se o mesmo que as
experiências realizadas, no morro da Favela, mostraram de que forma mágica
iluminações yankees transformam, em palácios de “Mil e uma Noites", cubatas
africanas.
O emir Mulay Málek Ben-Bélek é
especialista em agricultura. Ele já ensinou ao senhora Carlos a fazer brotar do
caroço da uva, pés de algodão do mais estimável fio.
Além disto, conhece os outros
gregos da mais alta antiguidade do que ele lê, não só em grego, como em árabe,
tais como Arístóteles, Ptolomeu, Estrabão, etc. até dos propriamente árabes,
persas e hindus.
Uma tal sabedoria está a
indicá-lo para professor de “relatividade", na Escola Politécnica, ao lado
das "Máquinas" do senhora Frontin.
O emir Mulay tem oitenta e três
mulheres e cento e cinqüenta concubinas. Não as trouxe por dois motivos: a) por
não haver grande necessidade; b) porque supôs que, aqui, não houvesse carros
"especiais" em que as suas
mulheres e concubinas pudessem passear pela cidade, islamicamente enclausuradas
como manda o Corão. Desconhecia que, entre nós, há os carros-fortes da
polícia...
Este homem eminente, entretanto,
segundo dizem, está disposto a fazer-se bufarinheiro, no Rio.
---
---
Nota:
Lima Barreto: "Histórias e Sonhos" (1920)
Nenhum comentário:
Postar um comentário