MEL
Quando a encontrei era só
açúcar,
prazer, dança, doce de
goiaba e mel.
Um mar de sal e sol para
temperar,
vinho branco e, ou, cerveja
gelada.
Criação boa à receita de
felicidade:
e assim foi o tempo das
maresias,
ondas rasteiras, espaços
espectrais,
pôres de sol. É verdade: o
sol se põe?
Sei que estão pensando que
vou falar:
Agora tudo é fel (para rimar
com mel),
mas que nada, só a distância
atrapalha
a convulsão mansa de nossa
pele úmida.
Se for possível, continua doce,
mel e mel,
bacuri em calda, condimentos
picantes,
sorvete de juçara... Já
falei dos lábios?
Ara que boca! Ânsia
devoradora, ora...
LAMENTAÇÃO EM DÓ
Pálpebras cobrem os olhos da
alvorada
febris ainda não se
levantaram: é noite.
Sinto-me como que nascendo –
nada –,
surgindo à porta do ventre
de uma mãe.
Haverá um regaço para me
acolher,
seios para me alimentar,
balangandãs,
um colo para o repouso tranquilo.
Mas quem esconderá do meu
olhar
esta visão de todos os
sofrimentos?
Até que o corpo pouse pacificamente?
Até que chegue o descanso?
Ventres...
A vida é sopro. Males –
jamais deixas
de perturbar o repouso dos
cansados?
Ó Espreitador dos Homens
(queixas),
por que concedes luz ao
miserável?
Por que dás vida aos
amargurados,
eis que esperam a morte e
ela não vem?
Por que iluminas o homem, ó
Adorável,
cujo futuro é oculto pela
mãe natureza?
Nós somos de ontem e nada
sabemos,
nada, sobre nossos dias
sobre a terra.
Não, nada sabemos sobre as
sombras,
as que acompanham os nossos
passos.
Em tais pensamentos e visões
noturnas
sobrevive o espanto. Tremo,
trememos.
Os ossos se estraçalham
silenciosamente,
se espíritos passam ante
mim, agourentos.
Os pêlos do corpo se
arrepiam, espinhos,
fantasia, alma, distingue
bem a aparência.
Vultos que se postam diante
dos olhos nus
como uma tremenda
interrogação. Cruzes.
Depois vem o silêncio de
calmaria vasta
e desperto pensando se foi
desta vez,
se nesse instante deceparam
o fio de vida.
Imagino se afinal se
derreteu estes meses –
em mim a dureza da pedra, do
mármore.
Será afinal os olhos de
granito que agora
me vêm já não me verão mais?
Será?
Cada vez demais comprida é a
noite
e a madrugada demora ainda
mais.
Tenho de lembrar sempre:
embora
a nuvem se desmanche
rapidamente,
o vento amarfanha as folhas,
árvores,
até curvar-se na estrutura
da terra...
Verdade – quem desce jamais
retorna.
NOVO
Já escrevi uns poemas
desesperados
e tomei várias tantas
cachacinhas,
me despedi da mulher que era
minha,
agora escuto um forró bem
rasgado.
Beijo os farelos e as sobras
de pão
antes de atirar os flocos
pela janela
aos pombos. Corpo de Cristo,
vela,
aprendizado de catecismo,
oração.
Quando quero ser mau e
demoníaco,
na calada da noite e só
(assim suponho),
com os pensamentos mais
malditos,
emborco chinelos, sapatos,
com ódio
mortal – e criminoso,
assassino, infenso,
espero que os inimigos
acordem mortos.
ANJO
Aqui nada sobreviverá,
o não tocado por Deus.
Os Seus dedos roçarão
esta fronte comovida?
Nada, nada aqui viverá,
sem a bênção de Deus.
Quando Deus me tocará?
SEMENTE
Diga algo que venha do alto
e eu avançarei compungido,
de braços abertos para o
alto
com o coração estremecido.
Que seja em música diga
algo,
que abale e me deixe
afligido,
a comoção que ofenda, algo
que ainda nunca foi
atingido.
Agrida-me forte com poesia,
a palavra que detona o ser,
fira a alma – bala da
poesia,
Diga-me algo que possa ser
a lavra na terra da poesia,
fira a alma que ofenda o
ser.
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