segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Paulo Bomfim: "5 Poemas"

ADVERTÊNCIA

Ai daqueles que brincam com a esperança de um povo!
Ai daqueles que se banqueteiam junto a fome de seus irmãos!
Ai daqueles que são fúteis numa hora grave, indiferentes num momento definitivo!
Ai daqueles que corrompem para tirar proveito da corrupção, que envenenam o mundo pela volúpia de caminhar impunimente entre ruínas!
Ai daqueles que fazem da mentira a verdade de suas vidas!
Ai daqueles que usam os simples como degraus de sua vaidade e instrumentos de sua ambição!
Ai daqueles que fabricam com a violência a trama do medo!
Ai daqueles que roubam ao próximo à alegria de existir!
Ai daqueles que usam dinheiro e o poder para prostituir, humilhar e deformar!
Ai daqueles que se atordoam para fugir das próprias responsabilidades!
Ai daqueles que traficam a terra de seus mortos, enxovalham tradições e traem compromissos com o presente e com o futuro!
Ai daqueles que se fazem de fracos no instante da tempestade!
Ai daqueles que se acomodam a tudo, que se resignam a tudo, que se entregam sem lutar!
Ai daqueles que loteiam seus corações, alugam suas consciências, transacionam com a honra, especulam com o bem, açambarcam a felicidade alheia e erguem virtudes falsas sobre pântanos!
Ai daqueles que concordam em morrer vivos!



PRECE!

Senhor!
- Livrai-nos de um amor
inexpressivo pela vida e de um temor
sem nome pela morte.

- Livrai-nos
do demônio do tédio,
da tentação do atordoamento,
dos infernos da rotina,
do fogo fátuo do orgulho
ou da tepidez de falsas humildades.

Livrai-nos
dos avaros de paixão,
do enxofre da subserviência,
do purgatório da indiferença,
do exílio da ingratidão,
da asfixia de rótulos e de amarras,
da gangrena de toda a covardia,
ou do deserto do desamor.

- Livrai-nos
da tentação de sermos
superiores ou inferiores a alguém,
do pântano das frustrações,
das máscaras dos vícios,
da fantasia das virtudes,
das fugas, da depressão,
da miragem dos caminhos,
da ferrugem do ódio,
da atrofia da força,
do viver sem vocação.

- Livrai-nos dessas tentações
ou livrai-nos de nós mesmos.
Agora e para todo o sempre

Amém!



SE ME PERDI

Em vícios de encantação
As realidades virtuais
Despetalaram velames
Nas amuradas do cais.

Foram dias, foram noites
Onde de mim me perdi,
Houve luxúria de opalas
E cilícios de rubi.

Fui caminhando esquecido
No bojo de meus enigmas,
E as ametistas floriram
Na ramagem dos estigmas.


Se me perdi foi apenas

Motivo de me encontrar,

No vôo de tantas penas,

Meu silêncio e a voz do mar.



SONETO I

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonia.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.



SONETO XIII

Pastor já fui desse rebanho alado,
Que pelos céus caminha, pensativo,
A ruminar a grama azul do prado
E a desmanchar-se em pensamento vivo.

Pastor já fui de olhar perdido e calmo,
Guardando as reses pelo campo etéreo,
Entoei sobre a campina cada salmo
De um livro que perdi sobre o mistério.

Já fui pastor fora de certo espaço,
Das loucas dimensões em que me banho,
Não sei se é no futuro em que me abraço

Ou no passado desse meu rebanho!
Pastor já fui, hoje arrebanho a mágoa
Do meu rebanho a desfazer-se em água.

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