O FILHO DO SÉCULO
Nem conversarei no
portão
Com meninas de
cabelos cacheados
Adeus valsa
"Danúbio Azul"
Adeus tardes
preguiçosas
Adeus cheiros do
mundo sambas
Adeus puro amor
Atirei ao fogo a
medalhinha da Virgem
Não tenho forças
para gritar um grande grito
Cairei no chão do
século vinte
Aguardem-me lá
fora
As multidões
famintas justiceiras
Sujeitos com gases
venenosos
É a hora das
barricadas
É a hora da
fuzilamento, da raiva maior
Os vivos pedem
vingança
Os mortos minerais
vegetais pedem vingança
É a hora do
protesto geral
É a hora dos vôos
destruidores
É a hora das
barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos
ânsias sonhos perdidos,
Misérias de todos
os países uni-vos
Fogem a galope os
anjos-aviões
Carregando o
cálice da esperança
Tempo espaço
firmes porque me abandonastes.
CANTIGA DE MALAZARTE
Eu sou o olhar que
penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da
pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada
que tenha visto,
todas as coisas se
gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores,
nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas
penduradas na terra,
tiro os cheiros
dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as
consciências,
a rua estala com
os meus passos,
e ando nos quatro
cantos da vida.
Consolo o herói
vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar
ninguém porque sou o amor,
tenho me
surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir
desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que
assiste à Criação
e que bole em
todas as almas que encontra.
Múltiplo,
desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos
caminhos do mundo.
CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha terra tem
macieiras da Califórnia
onde cantam
gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha
terra
são pretos que
vivem em torres de ametista,
os sargentos do
exército são monistas, cubistas,
os filósofos são
polacos vendendo a prestações.
A gente não pode
dormir
com os oradores e
os pernilongos.
Os sururus em
família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra
estrangeira.
Nossas flores são
mais bonitas
nossas frutas mais
gostosas
mas custam cem mil
réis a dúzia.
Ai quem me dera
chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá
com certidão de idade!
GUERNICA
Subsiste,
Guernica, o exemplo macho,
Subsiste para
sempre a honra castiça,
A jovem e antiga
tradição do carvalho
Que descerra o
pálio de diamante.
A força do teu
coração desencadeado
Contactou os
subterrâneos de Espanha.
E o mundo da
lucidez a recebeu:
O ar voa
incorporando-se teu nome.
CANTO A GARCÍA LORCA
Não basta o sopro
do vento
Nas oliveiras
desertas,
O lamento de água
oculta
Nos pátios da
Andaluzia.
Trago-te o canto
poroso,
O lamento
consciente
Da palavra à outra
palavra
Que fundaste com
rigor.
O lamento
substantivo
Sem ponto de
exclamação:
Diverso do rito
antigo,
Une a aridez ao
fervor,
Recordando que
soubeste
Defrontar a morte
seca
Vinda no gume
certeiro
Da espada
silenciosa
Fazendo irromper o
jacto
De vermelho: cor
do mito
Criado com a força
humana
Em que sonho e
realidade
Ajustam seu
contraponto.
Consolo-me da tua
morte.
Que ela nos
elucidou
Tua linguagem
corporal
Onde el duende é
alimentado
Pelo sal da
inteligência,
Onde Espanha é
calculada
Em número, peso e
medida.
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