À MINHA NOIVA
"Tu
és flor; as tuas pétalas
orvalho
lúbrico molha;
eu sou
flor que se desfolha
no verde
chão do jardim."
Têm por
moda agora os líricos
versos
fazer neste estilo...
— Tu és
isso, eu sou aquilo,
tu és
assado, eu assim...
Às negaças
deste gênero,
Carlotinha,
não resisto:
vou dizer
que tu és isto,
que aquilo
sou vou dizer;
tu és um
pé de camélia,
eu sou
triste pé de alface,
tu és a
aurora que nasce,
eu sou
fogueira a morrer.
Tu és a
vaga pacífica,
eu sou a
onda encrespada,
tu és
tudo, eu não sou nada,
nem por
descuido doutor;
tu és de
Deus uma lágrima,
eu sou de
suor um pingo,
eu sou no
amor o gardingo,
tu
Hermengarda no amor.
Os fatos
restabeleçam-se,
ó dona dos
pés pequenos:
eu sou
homem — nada menos,
tu és
mulher — nada mais;
eu sou
funcionário público,
tu minha
esposa bem cedo,
eu sou
Artur Azevedo,
tu és
Carlota Morais.
POR DECORO
Quando me
esperas, palpitando amores,
E os
lábios grossos e úmidos me estendes,
E do teu
corpo cálido desprendes
Desconhecido
olor de estranhas flores;
Quando,
toda suspiros e fervores,
Nesta
prisão de músculos te prendes,
E aos meus
beijos de sátiro te rendes,
Furtando
às rosas as purpúreas cores;
Os olhos
teus, inexpressivamente,
Entrefechados,
lânguidos, tranquilos,
Olham, meu
doce amor, de tal maneira,
Que, se
olhassem assim, publicamente,
Deveria,
perdoa-me, cobri-los
Uma
discreta folha de parreira.
UMA OBSERVAÇÃO
A moça
está sentada. O moço amado
Para uma
contradança vai “tirá-la”:
— “Da-me a
honra?” — Pois não- E pela sala
Ei-los a
passear de braço dado.
De amor
quanto protesto alambicado
Daqueles
meigos corações se exala,
Te que as
palmas batendo o mestre-sala,
Toma lugar
o par apaixonado!
Começa a
dança. A mão do moço, esperta,
Bole,
mexe, comprime, apalpa, aperta,
Durante
uns turbulentos balances,
E uma
senhora, que não é criança,
Sentada a
um canto observa que na dança
Hoje
trabalham mais as mãos que os pés.
IMPRESSÕES DE TEATRO
Que
dramalhão! Um intrigante ousado,
Vendo
chegar de longa ausência o conde,
Diz-lhe
que a pobre da condessa esconde
No seio o
fruto de um amor culpado.
Naturalmente
o conde fica irado
— O pai
que é? Pergunta — Eu lhe responde
Um jovem
que entra. —Um duelo! — Sim! Quando? Onde? —
No
encontro morre o amante desgraçado.
Folga o
intrigante... Porém surge um mano
E, vendo
morto o irmão, perde a cabeça:
Crava um
punhal no peito do tirano.
É preso o
mano, mata-se a condessa,
Endoidece
o marido, e cai o pano,
Antes que
outra catástrofe aconteça.
CONSEQUÊNCIA
Há cinco
meses já que estão casados.
Da lua de
mel os últimos lempejos
Gozam,
trocando aborrecidos beijos,
Numa larga
poltrona acomodados.
Falam do
tempo em que eram namorados...
Tempo
menos de amor que dos desejos...
Separam-se,
afinal e entre bocejos,
Ella
fuma... ela borda... ambos calados.
De repente
ela se ergue e o rosto esconde,
Soltando
um grito estrídulo, indiscreto,
Ao que o
eco da sala responde.
Ele
interroga-a pálido, inquieto...
Ela trêmula
e rubra lhe responde...
Sente no
seio remexer-se um feto.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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