sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Artur Azevedo: "5 Poemas"

À MINHA NOIVA

"Tu és flor; as tuas pétalas
orvalho lúbrico molha;
eu sou flor que se desfolha
no verde chão do jardim."
Têm por moda agora os líricos
versos fazer neste estilo...
— Tu és isso, eu sou aquilo,
tu és assado, eu assim...
Às negaças deste gênero,
Carlotinha, não resisto:
vou dizer que tu és isto,
que aquilo sou vou dizer;
tu és um pé de camélia,
eu sou triste pé de alface,
tu és a aurora que nasce,
eu sou fogueira a morrer.
Tu és a vaga pacífica,
eu sou a onda encrespada,
tu és tudo, eu não sou nada,
nem por descuido doutor;
tu és de Deus uma lágrima,
eu sou de suor um pingo,
eu sou no amor o gardingo,
tu Hermengarda no amor.
Os fatos restabeleçam-se,
ó dona dos pés pequenos:
eu sou homem — nada menos,
tu és mulher — nada mais;
eu sou funcionário público,
tu minha esposa bem cedo,
eu sou Artur Azevedo,
tu és Carlota Morais.



POR DECORO

Quando me esperas, palpitando amores,
E os lábios grossos e úmidos me estendes,
E do teu corpo cálido desprendes
Desconhecido olor de estranhas flores;

Quando, toda suspiros e fervores,
Nesta prisão de músculos te prendes,
E aos meus beijos de sátiro te rendes,
Furtando às rosas as purpúreas cores;

Os olhos teus, inexpressivamente,
Entrefechados, lânguidos, tranquilos,
Olham, meu doce amor, de tal maneira,

Que, se olhassem assim, publicamente,
Deveria, perdoa-me, cobri-los
Uma discreta folha de parreira.



UMA OBSERVAÇÃO

A moça está sentada. O moço amado
Para uma contradança vai “tirá-la”:
— “Da-me a honra?” — Pois não- E pela sala
Ei-los a passear de braço dado.

De amor quanto protesto alambicado
Daqueles meigos corações se exala,
Te que as palmas batendo o mestre-sala,
Toma lugar o par apaixonado!

Começa a dança. A mão do moço, esperta,
Bole, mexe, comprime, apalpa, aperta,
Durante uns turbulentos balances,

E uma senhora, que não é criança,
Sentada a um canto observa que na dança
Hoje trabalham mais as mãos que os pés.



IMPRESSÕES DE TEATRO

Que dramalhão! Um intrigante ousado,
Vendo chegar de longa ausência o conde,
Diz-lhe que a pobre da condessa esconde
No seio o fruto de um amor culpado.

Naturalmente o conde fica irado
— O pai que é? Pergunta — Eu lhe responde
Um jovem que entra. —Um duelo! — Sim! Quando? Onde? —
No encontro morre o amante desgraçado.

Folga o intrigante... Porém surge um mano
E, vendo morto o irmão, perde a cabeça:
Crava um punhal no peito do tirano.

É preso o mano, mata-se a condessa,
Endoidece o marido, e cai o pano,
Antes que outra catástrofe aconteça.



CONSEQUÊNCIA

Há cinco meses já que estão casados.
Da lua de mel os últimos lempejos
Gozam, trocando aborrecidos beijos,
Numa larga poltrona acomodados.

Falam do tempo em que eram namorados...
Tempo menos de amor que dos desejos...
Separam-se, afinal e entre bocejos,
Ella fuma... ela borda... ambos calados.

De repente ela se ergue e o rosto esconde,
Soltando um grito estrídulo, indiscreto,
Ao que o eco da sala responde.

Ele interroga-a pálido, inquieto...
Ela trêmula e rubra lhe responde...

Sente no seio remexer-se um feto.


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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