DE QUE ME RIO EU?
De que me
rio eu?... Eu rio horas e horas
só para me
esquecer, para me não sentir.
Eu rio a
olhar o mar, as noites e as auroras;
passo a
vida febril inquietantemente a rir.
Eu rio
porque tenho medo, um terror vago
de me
sentir a sós e de me interrogar;
rio pra
não ouvir a voz do mar pressago
nem a das
coisas mudas a chorar.
Rio pra
não ouvir a voz que grita dentro de mim
o mistério
de tudo o que me cerca
e a dor de
não saber porque vivo assim.
UMA MANHÃ, NO GOLFO DE CORINTO…
Uma manhã,
no golfo de Corinto,
comemos grandes
cachos-moscatel.
O mar, de
leite e azul, tinha veios de absinto;
e o teu
corpo, ao sol, como um sabor a mel.
Enlaçamo-nos
nus entre loureiros-rosas,
róseos e
brancos, alternando, até à praia.
— Não
tornam mais a vir as horas dolorosas:
sumiram-se
ao cair subtil da tua saia.
E boca
contra boca, a sorver bagos de âmbar,
bem
brunidos de sol, e sempre a arder em sede,
assim ficamos
nós até que veio a tarde
deitar-nos
devagar sua mística rede.
Mostraste-me
a sorrir, no golfo, uma medusa:
“Queria
viver assim, disseste, a vida toda.”
Tínhamos
vinho com resina numa infusa,
e
bebemo-lo os dois para acabar a boda.
Fomos
nadar depois: a água era tão densa,
que nos
trazia mornamente, ao colo,
num puro
flutuar, beatitude imensa,
entre
reflexos, a arrolar, de rolo em rolo…
A noite
veio enfim: estendidos na areia,
pusemo-nos
então a entristecer calados.
Como dois
mármores: um tritão e uma sereia
que o
golfo adormecia em soluços velhos.
VILANCETE
Não mais
bate à minha porta
aquela que
nos sorria...
Coração: a
amiga é morta.
Entra
agora fluidamente
por onde
quer, como quer;
com suas
mãos de mulher
não bate:
truz, truz! tremente.
Aparece
irrealmente:
vem agora
que está morta
sem bater
à minha porta.
Como um
perfume no escuro,
como na
alma um perdão,
surge assim
no coração
que por
ela se fez puro.
Não há
janela nem muro
que
resista à amiga morta:
abre, sem
abrir, a porta.
Vem
sentar-se à minha mesa,
sonha ao
canto da lareira,
só por ela
a noite inteira
a candeia
fica acesa.
Que eu já
não tenho surpresa.
quando ela
vem, doce morte,
sem bater
à minha porta.
Se o luar
doira a vidraça,
ficamos
juntos a ver
como a lua
vem benzer
a cada
coisa que passa.
Assim a
noite esvoaça...
E por fim
a amiga morta
sai sem
nunca abrir a porta.
A REDENÇÃO
A divina
emoção que tu me deste,
Já m´a deu
uma árvore ao poente...
Não é só
teu encanto que te veste:
A seiva e
o sangue rezam irmãmente.
Às vezes
nuvens, mares, areais,
Dão-me
mais sonho do que os olhos teus...
É como se
eles fossem meus iguais,
Tendo nós
todos fé no mesmo Deus...
Não será
isto o instinto, a profecia,
De que
desfeitos e transfigurados
Viveremos
num só, numa harmonia?...
Sim, deve
se: amor, sonho, emoção,
São
esforços febris d´encarcerados
Para quem
a Unidade é a redenção.
SAUDADE DO TEU CORPO
Tenho
saudades do teu corpo: ouviste
correr-te
toda a carne e toda a alma
o meu
desejo – como um anjo triste
que enlaça
nuvens pela noite calma?...
Anda a
saudade do teu corpo (sentes?...)
Sempre
comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e
redizendo que não mentes
quando me
escreves: “vem, meu todo amado...”
É o teu
corpo em sombra esta saudade...
Beijo-lhe
as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do
seu olhar é escuridade...
Fecho os
olhos ao sol para estar contigo.
É de noite
este corpo que me assombra...
Vês?! A
saudade é um escultor antigo!
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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