SEMANA SANTA
É tão suave
ess'hora,
Em que nos
foge o dia,
E em que
suscita a Lua
Das ondas
a ardentia,
Se em
alcantis marinhos,
Nas rochas
assentado,
O trovador
medita
Em sonhos
enteado!
O mar azul
se encrespa
C’oa
vespertina brisa,
E no casal
da serra
A luz já
se divisa.
E tudo em
roda cala
Na praia
sinuosa,
Salvo o
som do remanso
Quebrando
em furna algosa.
Ali folga
o poeta
Nos
desvarios seus,
E nessa
paz que o cerca
Bendiz a
mão de Deus.
Mas
despregou seu grito
A alcíone
gemente,
E nuvem
pequenina
Ergueu-se
no ocidente:
E sobe, e
cresce, e imensa
Nos céus
negra flutua,
E o vento
das procelas
Já varre a
fraga nua.
Turba-se o
vasto oceano.
Com
hórrido clamor;
Dos
vagalhões nas ribas
Expira o
vão furor
E do poeta
a fronte
Cobriu véu
de tristeza;
Calou, à
luz do raio,
Seu hino à
natureza.
Pela alma
lhe vagava
Um negro
pensamento,
Da alcíone
ao gemido,
Ao sibilar
do vento.
Era
blasfema ideia,
Que
triunfava enfim;
Mas voz
soou ignota,
Que lhe
dizia assim:
“Cantor,
esse queixume
Da núncia
das procelas,
E as
nuvens, que te roubam
Miríades
de estrelas,
E o frêmito
dos euros,
E o
estourar da vaga,
Na praia,
que revolve,
Na rocha,
onde se esmaga,
Onde
espalhava a brisa
Sussurro
harmonioso,
Enquanto
do éter puro
Descia o
Sol radioso,
Tipo da
vida do homem,
É do
universo a vida:
Depois do
afã repouso,
Depois da
paz a lida.
Se
ergueste a Deus um hino
Em dias de
amargura;
Se te
amostraste grato
Nos dias
de ventura,
Seu nome
não maldigas
Quando se
turba o mar:
No Deus,
que é pai, confia,
Do raio ao
cintilar.
Ele o
mandou: a causa
Disso o
universo ignora,
E mudo
está. O nume,
Como o
universo, adora!”
Oh, sim,
torva blasfêmia
Não
manchará seu canto!
Brama a
procela embora;
Pese sobre
ele o espanto;
Que de sua
harpa os hinos
Derramará
contente
Aos pés de
Deus, qual óleo
Do nardo
recendente.
A VOZ
É tão
suave ess'hora,
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,
Se em
alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enteado!
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enteado!
O mar azul
se encrespa
C’oa vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.
C’oa vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.
E tudo em
roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.
Ali folga
o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mão de Deus.
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mão de Deus.
Mas
despregou seu grito
A alcíone gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:
A alcíone gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:
E sobe, e
cresce, e imensa
Nos céus negra flutua,
E o vento das procelas
Já varre a fraga nua.
Nos céus negra flutua,
E o vento das procelas
Já varre a fraga nua.
Turba-se o
vasto oceano.
Com hórrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vão furor
Com hórrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vão furor
E do poeta
a fronte
Cobriu véu de tristeza;
Calou, à luz do raio,
Seu hino à natureza.
Cobriu véu de tristeza;
Calou, à luz do raio,
Seu hino à natureza.
Pela alma
lhe vagava
Um negro pensamento,
Da alcíone ao gemido,
Ao sibilar do vento.
Um negro pensamento,
Da alcíone ao gemido,
Ao sibilar do vento.
Era
blasfema ideia,
Que triunfava enfim;
Mas voz soou ignota,
Que lhe dizia assim:
Que triunfava enfim;
Mas voz soou ignota,
Que lhe dizia assim:
“Cantor,
esse queixume
Da núncia das procelas,
E as nuvens, que te roubam
Miríades de estrelas,
Da núncia das procelas,
E as nuvens, que te roubam
Miríades de estrelas,
E o
frêmito dos euros,
E o estourar da vaga,
Na praia, que revolve,
Na rocha, onde se esmaga,
E o estourar da vaga,
Na praia, que revolve,
Na rocha, onde se esmaga,
Onde
espalhava a brisa
Sussurro harmonioso,
Enquanto do éter puro
Descia o Sol radioso,
Sussurro harmonioso,
Enquanto do éter puro
Descia o Sol radioso,
Tipo da
vida do homem,
É do universo a vida:
Depois do afã repouso,
Depois da paz a lida.
É do universo a vida:
Depois do afã repouso,
Depois da paz a lida.
Se
ergueste a Deus um hino
Em dias de amargura;
Se te amostraste grato
Nos dias de ventura,
Em dias de amargura;
Se te amostraste grato
Nos dias de ventura,
Seu nome
não maldigas
Quando se turba o mar:
No Deus, que é pai, confia,
Do raio ao cintilar.
Quando se turba o mar:
No Deus, que é pai, confia,
Do raio ao cintilar.
Ele o mandou:
a causa
Disso o universo ignora,
E mudo está. O nume,
Como o universo, adora!”
Disso o universo ignora,
E mudo está. O nume,
Como o universo, adora!”
Oh, sim,
torva blasfêmia
Não manchará seu canto!
Brama a procela embora;
Pese sobre ele o espanto;
Não manchará seu canto!
Brama a procela embora;
Pese sobre ele o espanto;
Que de sua
harpa os hinos
Derramará contente
Aos pés de Deus, qual óleo
Do nardo recendente.
Derramará contente
Aos pés de Deus, qual óleo
Do nardo recendente.
O SOLDADO
I
Veia
tranquila e pura
De meu
paterno rio,
Dos
campos, que ele rega,
Mansíssimo
armentio.
Rocio
matutino,
Prados tão
deleitosos,
Vales, que
assombravam selvas
De
sinceirais frondosos,
Terra da
minha infância,
Teto de meus
maiores,
Meu breve
jardinzinho,
Minhas
pendidas flores,
Harmonioso
e santo
Sino do
presbitério,
Cruzeiro
venerando
Do humilde
cemitério,
Onde os
avós dormiram,
E dormirão
os pais;
Onde eu
talvez não durma,
Nem reze,
talvez, mais,
Eu vos
saúdo!, e o longo
Suspiro
amargurado
Vos mando.
E quanto pode
Mandar
pobre soldado.
Sobre as
cavadas ondas
Dos mares
procelosos,
Por vós já
fiz soar
Meus
cantos dolorosos.
Na proa
ressonante
Eu me
assentava mudo,
E aspirava
ansioso
O vento
frio e agudo;
Porque em meu
sangue ardia
A febre da
saudade,
Febre que
só minora
Sopro de
tempestade;
Mas que se
irrita, e dura
Quando é
tranquilo o mar;
Quando da
pátria o céu
Céu puro
vem lembrar;
Quando, no
extremo ocaso,
A nuvem
vaporosa,
À frouxa
luz da tarde,
Na cor
imita a rosa;
Quando, do
Sol vermelho
O disco
ardente cresce,
E paira
sobre as águas,
E enfim
desaparece;
Quando no
mar se estende
Manto de
negro dó;
Quando, ao
quebrar do vento,
Noite e
silêncio é só;
Quando
sussurram meigas
Ondas que
a nau separa,
E a rápida
ardentia
Em torno a
sombra aclara.
II
Eu já
ouvi, de noite,
Entre o
pinhal fechado,
Um frêmito
soturno
Passando o
vento irado:
Assim o
murmúrio
Do mar,
fervendo à proa,
Com o
gemer do aflito,
Sumido,
acorde soa;
E o
cintilar das águas
Gera
amargura e dor,
Qual
lâmpada, que pende
No templo
do Senhor,
Lá pela
madrugada,
Se o óleo
lhe escasseia,
E a
espaços expirando.
Afrouxa e
bruxuleia.
III
Bem
abundante messe
De pranto
e de saudade
O foragido
errante
Colhe na
soledade!
Para o que
a pátria perde
É o
universo mudo;
Nada lhe
ri na vida;
Mora o
fastio em tudo;
No meio
das procelas,
Na calma
do oceano,
No sopro
do galerno,
Que enfuna
o largo pano.
E no
entestar c’oa terra
Por
abrigado esteiro,
E no
pousar à sombra
Do teto do
estrangeiro.
IV
E essas memórias
tristes
Minha alma
laceraram,
E a senda
da existência
Bem agra
me tornaram:
Porém nem
sempre férreo
Foi meu
destino escuro;
Sufocou de
luz um raio
As trevas
do futuro.
Do meu
país querido
A praia
ainda beijei,
E o velho
e amigo cedro
No vale
ainda abracei!
Nesta alma
regelada
Surgiu
ainda o gozo,
E um sonho
lhe sorriu
Fugaz, mas
amoroso.
Oh, foi
sonho da infância
Desse
momento o sonho!
Paz e
esperança vinham
Ao coração
tristonho.
Mas o
sonhar que monta,
Se passa,
e não conforta?
Minh'alma
deu em terra,
Como se
fosse morta.
Foi a
esperança nuvem,
Que o
vento some á tarde:
Facho de
guerra aceso
Em
labaredas arde!
Do
fratricídio a luva
Irmão a
irmão lançara,
E o grito:
ai do vencido!
Nos montes
retumbara.
As armas
se hão cruzado:
O pó
mordeu o fone;
Caiu:
dorme tranquilo:
Deu-lhe
repouso a morte.
Ao menos,
nestes campos
Sepulcro
conquistou,
E o adro
dos estranhos
Seus ossos
não guardou.
Ele
herdará, ao menos,
Aos seus
honrado nome;
Paga de
curta vida
Ser-lhe-á
largo renome.
V
E a bala
sibilando,
E o trom
da artilharia,
E a tuba
clamorosa,
Que os
peitos acendia,
E as
ameaças torvas,
E os
gritos de furor,
E desses
que expiravam
Som cavo
de estertor,
E as
pragas do vencido,
Do
vencedor o insulto.
E a
palidez do morto,
Nu,
sanguento, insepulto,
Eram um
caos de dores
Em
convulsão horrível,
Sonho de
acesa febre,
Cena
tremenda e incrível!
E
suspirei: nos olhos
Me
borbulhava o pranto,
E a dor,
que trasbordava,
Pediu-me
infernal canto.
Oh, sim!,
maldisse o instante,
Em que
buscar viera,
Por entre
as tempestades,
A terra em
que nascera.
Que é, em
fraternas lides,
Um canto
de vitória?
É delirar
maldito;
É triunfar
sem glória.
Maldito
era o triunfo,
Que
rodeava o horror,
Que me
tingia tudo
De
sanguinosa cor!
Então
olhei saudoso
Para o
sonoro mar;
Da nau do
vagabundo
Meigo me
riu o arfar.
De
desespero um brado
Soltou,
ímpio, o poeta,
Perdão!
Chegara o mísero
Da
desventura à meta.
VI
Terra
infame! – de servos aprisco,
Mais
chamar-me teu filho não sei;
Desterrado,
mendigo serei:
De outra
terra meus ossos serão!
Mas a
escravo, que pugna por ferros,
Que
herdará desonrada memória,
Renegando
da terra sem glória,
Nunca mais
darei nome de irmão!
Onde é
livre tem pátria o poeta,
Que ao
exílio condena ímpia sorte.
Sobre os
plainos gelados do norte
Luz do Sol
também desce do céu;
Também lá
se erguem montes. e o prado
De
boninas, em Maio, se veste;
Também lá
se meneia o cipreste
Sobre o
corpo que à terra desceu.
Que me
importa o loureiro da encosta?
Que me
importa da fonte o ruído?
Que me
importa o saudoso gemido
Da rolinha
sedenta de amor?
Que me
importam outeiros cobertos
Da verdura
da vinha, no Estio?
Que me
importa o remanso do rio,
E, na
calma, da selva o frescor?
Que me
importa o perfume dos campos,
Quando
passa da tarde a bafagem,
Que se
embebe, na sua passagem,
Na
fragrância da rosa e alecrim?
Que me
importa? Pergunta insensata!
É meu
berço: a minha alma está lá...
Que me
importa... Esta boca o dirá?!
Minha
pátria, estou louco... menti!
Eia,
servos! O ferro se cruze,
Assobie o
pelouro nos ares;
Estes campos
convertam-se em mares,
Onde o
sangue se possa beber!
Larga a
vala!, que, após a peleja,
Todos nós
dormiremos unidos!
Lá,
vingados, e do ódio esquecidos,
Paz
faremos... depois do morrer!
VII
Assim,
entre amarguras,
Me
delirava a mente;
E o Sol ia
fugindo
No termo
do Ocidente.
E os
fortes lá jaziam
C’oa face
ao céu voltada;
Sorria a
noite aos monos,
Passando
sossegada.
Porém, a
noite deles
Não era a
que passava!
Na
eternidade a sua
Corria, e
não findava.
Contrários
ainda há pouco,
Irmãos,
enfim, lá eram!
O seu
tesouro de ódio,
Mordendo o
pó, cederam.
No limiar
da morte
Assim tudo
fenece:
Inimizades
calam,
E até o
amor esquece!
Meus dias
rodeados
Foram de
amor outrora;
E nem um
vão suspiro
Terei,
morrendo, agora,
Nem o
apertar da dextra
Ao desprender
da vida,
Nem
lágrima fraterna
Sobre a
feral jazida!
Meu
derradeiro alento
Não
colherão os meus.
Por minha
alma aterrada
Quem
pedirá a Deus?
Ninguém!
Aos pés o servo
Meus
restos calcará,
E o riso
ímpio, odiento,
Mofando
soltará.
O sino
lutuoso
Não lembrará
meu fim:
Preces,
que o morto afagam,
Não se
erguerão por mim!
O filho
dos desertos,
O lobo
carniceiro,
Há de
escutar alegre
Meu grito
derradeiro!
Ó morte, o
sono teu
Só é sono
mais largo;
Porém, na
juventude,
É o
dormi-lo amargo:
Quando na
vida nasce
Essa
mimosa flor,
Como a
cecém suave,
Delicioso
amor;
Quando a
mente acendida
Crê na
ventura e glória;
Quando o
presente é tudo.
E inda
nada a memória!
Deixar a
cara vida,
Então é
doloroso,
E o
moribundo à Terra
Lança um
olhar saudoso.
A taça da
existência
No fundo
fezes tem;
Mas os
primeiros tragos
Doces, bem
doces, vem.
E eu
morrerei agora
Sem
abraçar os meus,
Sem
jubiloso um hino
Alevantar
aos Céus?
Morrer,
morrer, que importa?
Final
suspiro, ouvi-lo
Há de a
pátria. Na terra
Irei
dormir tranquilo.
Dormir? Só
dorme o frio
Cadáver,
que não sente;
A alma voa
a abrigar-se
Aos pés do
Onipotente.
Reclinar-me-ei
à sombra
Do amplo
perdão do Eterno;
Que não
conheço o crime,
E erros
não pune o Inferno.
E vós,
entes queridos,
Entes que
tanto amei,
Dando-vos
liberdade
Contente
acabarei.
Por mim
livres chorar
Vós
podereis um dia,
E às
cinzas do soldado
Erguer
memória pia.
A CRUZ MUTILADA
Amo-te, ó
cruz, no vértice, firmada
De
esplêndidas igrejas;
Amo-te
quando à noite, sobre a campa,
Junto ao
cipreste alvejas;
Amo-te
sobre o altar, onde, entre incensos,
As preces
te rodeiam;
Amo-te
quando em préstito festivo
As
multidões te hasteiam;
Amo-te
erguida no cruzeiro antigo,
No adro do
presbitério,
Ou quando
o morto, impressa no ataúde,
Guias ao
cemitério;
Amo-te, ó
cruz, até, quando no vale
Negrejas
triste e só,
Núncia do
crime, a que deveu a terra
Do
assassinado o pó:
Porém
guando mais te amo,
Ó cruz do
meu Senhor,
É, se te
encontro à tarde,
Antes de o
Sol se pôr,
Na
clareira da serra,
Que o
arvoredo assombra,
Quando à
luz que fenece
Se estira
a tua sombra,
E o dia
últimos raios
Com o luar
mistura,
E o seu
hino da tarde
O
pinheiral murmura.
***
E eu te
encontrei, num alcantil agreste,
Meia
quebrada, ó cruz. Sozinha estavas
Ao pôr do
Sol, e ao elevar-se a Lua
Detrás do
calvo cerro. A soledade
Não te
pôde valer contra a mão ímpia,
Que te
feriu sem dó. As linhas puras
De teu
perfil, falhadas, tortuosas,
Ó mutilada
cruz, falam de um crime
Sacrílego,
brutal e ao ímpio inútil!
A tua
sombra estampa-se no solo,
Como a
sombra de antigo monumento,
Que o
tempo quase derrocou, truncada.
No
pedestal musgoso, em que te ergueram
Nossos
avós, eu me assentei. Ao longe,
Do
presbitério rústico mandava
O sino os
simples sons pelas quebradas
Da
cordilheira, anunciando o instante
Da
ave-maria; da oração singela,
Mas
solene, mas santa, em que a voz do homem
Se mistura
nos cânticos saudosos,
Que a
natureza envia ao Céu no extremo
Raio de
sol, pasmado fugitivo
Na
tangente deste orbe, ao qual trouxeste
Liberdade
e progresso, e que te paga
Com a
injúria e o desprezo, e que te inveja
Até, na
solidão, o esquecimento!
***
Foi da
ciência incrédula o sectário,
Acaso, ó
cruz da serra, o que na face
Afrontas
te gravou com mão profusa?
Não! Foi o
homem do povo, a quem consolo
Na miséria
e na dor constante hás sido
Por bem
dezoito séculos: foi esse
Por cujo
amor surgias qual remorso
Nos sonhos
do abastado ou do tirano.
Bradando –
esmola! a um; piedade! ao outro.
Ó cruz, se
desde o Gólgota não foras
Símbolo
eterno de urna crença eterna;
Se a nossa
fé em ti fosse mentida,
Dos
opressos de outrora os livres netos
Por sua
ingratidão dignos de opróbrio,
Se não te
amassem, ainda assim seriam.
Mas és
núncia do Céu, e eles te insultam,
Esquecidos
das lágrimas perenes
Por trinta
gerações, que guarda a campa.
Vertidas a
teus pés nos dias torvos
Do seu
viver d'escravidão! Deslembram-se
De que. se
a paz doméstica, a pureza
Do leito
conjugal bruta violência
Não vai
contaminar, se a filha virgem
Do humilde
camponês não é ludíbrio
Do
opulento, do nobre, ó Cruz. to devem;
Que por ti
o cultor de férteis campos
Colhe
tranquilo da fadiga o prêmio,
Sem que a
voz de um senhor, qual dantes, dura
Lhe diga:
“É meu, e és meu! A mim deleites,
Liberdade,
abundância: a ti, escravo,
O
trabalho. a miséria unido à terra,
Que o suor
dessa fronte fertiliza,
Enquanto,
em dia de furor ou tédio,
Não me
apraz com teus restos fecundá-la.”
Quando
calada a humanidade ouvia
Este atroz
blasfemar, tu te elevaste
Lá do
Oriente, ó Cruz, envolta em glória,
E
bradaste, tremenda, ao forte, ao rico:
“Mentira!”,
e o servo alevantou os olhos,
Onde a
esperança cintilava, a medo,
E viu as
faces do senhor retintas
Em palidez
mortal, e errar-lhe a vista
Trépida,
vaga. A cruz no céu do Oriente
Da
liberdade anunciara a vinda.
Cansado, o
ancião guerreiro, que a existência
Desgastou
no volver de cem combates,
Ao ver
que, enfim, o seu país querido
Já não
ousam calcar os pés d'estranhos,
Vem
assentar-se à luz meiga da tarde,
Na tarde
do viver, junto do teixo
Da
montanha natal. Na fronte calva,
Que o sol
tostou e que enrugaram anos,
Há um como
fulgor sereno e santo.
Da aldeia
semideus, devem-lhe todos
D teto, a
liberdade, e a honra e vida.
Ao
perpassar do veterano, os velhos
A mão que
os protegeu apertam gratos;
Com
amorosa timidez os moços
Saúdam-no
qual pai. Nus largas noites
Da gelada
estação, sobre a lareira
Nunca lhe
falta o cepo incendiado;
Sobre a
mesa frugal nunca, no estio,
Refrigerante
pomo. Assim do velho
Pelejador
os derradeiros dias
Derivam
para o túmulo suaves,
Rodeados
de afeto, e quando à terra
A mão do
tempo gastador o guia,
Sobre a
lousa a saudade ainda lhe esparze
Flores,
lágrimas, bênçãos, que consolem
Do
defensor do fraco as cinzas frias.
Pobre
cruz! Pelejaste mil combates,
Os
gigantes combates dos tiranos,
E
venceste. No solo libertado,
Que
pediste? Um retiro no deserto,
Um píncaro
granítico, açoutado
Pelas asas
do vento e enegrecido
Por chuvas
e por sóis. Para ameigar-te
Este ar
úmido e gélido a segure
Não foi
ferir do bosque o rei. Do Estio
No ardor
canicular nunca disseste:
“Dai-me, sequer,
do bravo medronheiro
O
desprezado fruto!” O teu vestido
Era o
musgo, que tece a mão do Inverno
E Deus
criou para trajar as rochas.
Filha do
céu, o céu era o seu teto,
Teu
escabelo o dorso da montanha.
Tempo
houve em que esses braços te adornava
C'roa
viçosa de gentis boninas,
E o
pedestal te rodeavam preces.
Ficaste em
breve só, e a voz humana
Fez, pouco
a pouco, junto a ti silêncio.
Que te
importava? As árvores da encosta
Curvavam-se
a saudar-te, e revoando
As aves
vinham circundar-te de hinos.
Afagava-te
o raio derradeiro,
Frouxo do
Sul ao mergulhar nos mares.
E
esperavas o túmulo. O teu túmulo
Devera ser
o seio destas serras,
Quando, em
Gênesis novo, à voz do Eterno,
Do orbe ao
núcleo fervente, que as gerara,
Elas nus
fauces dos bolcões descessem.
Então para
essa campa flores, bênçãos,
Ou é
saudade lágrimas vertidas,
Qual do
velho soldado a lousa pede,
Não
pediras à ingrata raça humana,
Ao pé de
ti no seu sudário envolta.
***
Este longo
esperar do dia extremo,
No
esquecimento do ermo abandonada,
Foi duro
de sofrer aos teus remidos,
Ó
redentora cruz. Eras, acaso,
Como um
remorso e acusação perene
No teu
rochedo alpestre, onde te viam
Pousar
tristonha e só? Acaso, à noite,
Quando a
procela no pinhal rugia,
Criam
ouvir-te a voz acusadora
Sobreelevar
à voz da tempestade?
Que lhes
dizias tu? De Deus falavas,
E do seu
Cristo, do divino mártir,
Que a ti,
suplício e afronta, a ti maldita
Ergueu,
purificou, clamando ao servo,
No seu
transe: “Ergue-te, escravo!
És livre,
como é pura a cruz da infâmia.
Ela vil e
tu vil, santos, sublimes
Sereis
ante meu Pai. Ergue-te, escravo!
Abraça tua
irmã: segue-a sem susto
No caminho
dos séculos. Da Terra
Pertence-lhe
o porvir, e o seu triunfo
Trará da
tua liberdade o dia.”
Eis porque
teus irmãos te arrojam pedras,
Ao perpassar,
ó cruz! Pensam ouvir-te
Nos
rumores da noite, a antiga história
Recontando
do Gólgota, lembrando-lhes
Que só ao
Cristo a liberdade devem,
E que
ímpio o povo ser é ser infame.
Mutilado
por ele, a pouco e pouco,
Tu em
fragmentos tombarás do cerro,
Símbolo
sacrossanto. Hão de os humanos
Aos pés
pisar-te; e esquecerás no mundo.
Da
gratidão a dívida não paga
Ficará, ó
tremenda acusadora,
Sem que as
faces lhes tinja a cor do pejo;
Sem que o
remorso os corações lhes rasgue.
Do Cristo
o nome passará na Terra.
***
Não!
Quando, em pó desfeita, a cruz divina
Deixar de
ser perene testemunha
Da avita
crença, os montes, a espessura,
O mar, a
Lua, o murmurar da fonte,
Da
natureza as vagas harmonias,
Da cruz em
nome, falarão do Verbo.
Dela no
pedestal, então deserto,
Do deserto
no seio, ainda o poeta
Virá,
talvez, ao pôr do Sol sentar-se;
E a voz da
selva lhe dirá que é santo
Este
rochedo nu, e um hino pio
A solidão
lhe ensinará e a noite.
Do cântico
futuro unta toada
Não sentes
vir, ó cruz, de além dos tempos
Da brisa
do crepúsculo nus asas?
É o porvir
que te proclama eterna;
É a voz do
poeta a saudar-te.
***
Montanha
do Oriente,
Que, sobre
as nuvens elevando o cume,
Divisas
logo o Sol, surgindo a aurora,
E que, lá
no Ocidente,
Última vez
seu radioso lume,
Em ti
minha alma a eterna cruz adora.
Rochedo,
que descansas
No
promontório nu e solitário,
Como
atalaia que o oceano explora,
Alheio ás
mil mudanças
Que o
mundo agitam turbulento e vário,
Em ti
minha alma a eterna cruz adora.
Sobros,
robles frondentes,
Cuja sombra
procura o viandante,
Fugindo ao
Sol a prumo que o devora,
Nesses
dias ardentes
Em que o
Leão nos céus passa radiante,
Em ti
minha alma a eterna cruz adora.
Ó mato
variado,
De
rosmaninho e murta entretecido,
De cujas
ténues flores se evapora
Aroma delicado,
Quando és
por leve aragem sacudido,
Em ti
minha alma a eterna cruz adora.
Ó mar, que
vais quebrando
Rolo após
rolo pela praia fria,
E fremes
som de paz consoladora,
Dormente
murmurando
Na caverna
marítima sombria,
Em li
minha alma a eterna cruz adora.
Ó Lua
silenciosa,
Que em
perpétuo volver. seguindo a Terra,
Esparzes
tua luz ameigadora
Pela serra
formosa,
E pelos
lagos que em seu seio encerra,
Em ti
minha alma a eterna cruz adora.
Debalde o
servo ingrato
No pó te
derribou
E os
restos te insultou,
Ó
veneranda cruz:
Embora eu
te não veja
Neste ermo
pedestal;
És santa,
és imortal;
Tu és a
minha luz!
Nas almas
generosas
Gravou-te
a mão de Deus,
E, à
noite, fez nos céus
Teu vulto
cintilar.
Os raios
das estrelas
Cruzam o
seu fulgor;
Nas horas
do furor
As vagas
cruza o mar.
Os ramos
enlaçados
Do roble,
choupo e til
Cruzando
em modos mil,
Se vão
entretecer.
Ferido,
abre-o guerreiro
Os braços,
solta um ai,
Pára,
vacila, e cai
Para não
mais se erguer.
Cruzado
aperta ao seio
A mãe o
filho seu,
Que busca,
mal nasceu,
Fontes da
vida e amor.
Surges;
símbolo eterno,
No Céu, na
Terra e mar,
Do forte
no expirar,
E do viver
no alvor!
DOM PEDRO
Pela
encosta do Líbano, rugindo,
O noto
furioso
Passou um
dia, arremessando à terra
O cedro
mais frondoso;
Assim te
sacudiu da morte o sopro
Do carro
da vitória,
Quando,
ébrio de esperanças, tu sorrias,
Filho caro
da glória.
Se, depois
de procela em mar de escolhos,
A
combatida nave
Vê terra e
vento abranda, o porto aferra,
Com júbilo
suave.
Também tu
demandaste o Céu sereno,
Depois de
uma árdua lida:
Deus te
chamou: o prémio recebeste
Dos
méritos da vida.
Que é
esta? Um ermo de espinhais cortado,
Donde foge
o prazer:
Para o
justo ela existe além da campa:
Teme o
ímpio o morrer.
Plante-se
a acácia, o símbolo do livre,
Junto às
cinzas do forte:
Ele foi
rei – e combateu tiranos –
Chorai,
chorai-lhe a morte!
Regada
pelas lágrimas de um povo,
A planta
crescerá;
E à sombra
dela a fronte do guerreiro
Plácida
pousará.
Essa
fronte das balas respeitada,
Agora a
traga o pó:
Do
valente, do bom, do nosso Amigo
Restam
memórias só;
Mas estas,
entre nós, com a saudade
Perenes
viverão,
Enquanto,
à voz de pátria e liberdade.
Ansiar um
coração.
Nas orgias
de Roma, a prostituta,
Folga, vil
opressor:
Folga com
os hipócritas do Tibre;
Morreu teu
vencedor.
Envolto em
maldições, em susto, em crimes
Fugiste,
desgraçado:
Ele,
subindo ao Céu, ouviu só gueixas,
E um choro
não comprado:
Encostado
na borda do sepulcro,
O olhar
atrás volveu,
As suas
obras contemplou passadas,
E em paz
adormeceu:
Os teus
dias também serão contados,
Covarde
foragido;
Mas será
de remorso tardo e inútil
Teu último
gemido:
Do
passamento o cálix lhe adoçaram
Uma filha,
urna esposa:
Quem,
tigre cru, te cercará o leito,
Nessa hora
pavorosa?
Deus, tu
és bom: e o virtuoso em breve
Chamas ao
gozo eterno,
E o ímpio
deixas saciar de crimes,
Para o
sumir no Inferno?
Alma
gentil, que assim nos hás deixado,
Entregues
à alta dor,
Anjo das
preces nos serás, perante
O trono do
Senhor:
E quando,
cá na Terra, o poderoso
As Leis
aos pés calcar,
Junto do
teu sepulcro irá o opresso
Seus males
deplorar:
Assim, no
Oriente, de Albuquerque às cinzas
O
desvalido indiano
Mais de
urna vez foi demandar vingança
De um
déspota inumano.
Mas quem
ousará à pátria tua e nossa
Curvar
nobre cerviz?
Quem
roubará ao lusitano povo
Um povo
ser feliz?
Ninguém!
Por tua glória os teus soldados
Juram
livres viver.
Ai do
tirano que primeiro ousasse
Do voto
escarnecer!
Nesse
abraço final, que nos legaste,
Legaste o gênio
teu:
Aqui – no
coração – nós o guardamos;
Teu gênio
não morreu.
Jaz em
paz: essa terra, que te esconde,
O monstro
abominado
Só pisará
ao baquear sobre ela
Teu último
soldado.
Eu também
combati: nus pátrias lides
Também
colhi um louro:
O prantear
o Companheiro extinto
Não me
será desdouro.
Para o Sol
do Oriente outros se voltem,
Calor e
luz buscando:
Que eu
pelo belo Sol, que jaz no ocaso,
Cá ficarei
chorando.
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Fonte:
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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