ASPIRAÇÃO
Ser palmeira! existir num píncaro azulado,
Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando;
Dar ao sopro do mar o seio perfumado,
Ora os leques abrindo, ora os leques fechando;
Só de meu
cimo, só de meu trono, os rumores
Do dia ouvir, nascendo o primeiro arrebol,
E no azul dialogar com o espírito das flores,
Que invisível ascende e vai falar ao sol;
Do dia ouvir, nascendo o primeiro arrebol,
E no azul dialogar com o espírito das flores,
Que invisível ascende e vai falar ao sol;
Sentir
romper do vale e a meus pés, rumorosa,
Dilatar-se a cantar a alma sonora e quente
Das árvores, que em flor abre a manhã cheirosa,
Dos rios, onde luz todo o esplendor do Oriente;
Dilatar-se a cantar a alma sonora e quente
Das árvores, que em flor abre a manhã cheirosa,
Dos rios, onde luz todo o esplendor do Oriente;
E juntando
a essa voz o glorioso murmúrio
De minha fronde e abrindo ao largo espaço os véus
Ir com ela através do horizonte purpúreo
E penetrar nos céus;
De minha fronde e abrindo ao largo espaço os véus
Ir com ela através do horizonte purpúreo
E penetrar nos céus;
Ser
palmeira, depois de homem ter sido esta alma
Que vibra em mim, sentir que novamente vibra,
E eu a espalmo a tremer nas folhas, palma a palma,
E a distendo, a subir num caule, fibra a fibra:
Que vibra em mim, sentir que novamente vibra,
E eu a espalmo a tremer nas folhas, palma a palma,
E a distendo, a subir num caule, fibra a fibra:
E à noite,
enquanto o luar sobre os meus leques
treme, E estranho sentimento, ou pena ou mágoa ou dó,
Tudo tem e, na sombra, ora ou soluça ou geme,
E a distendo, a subir num caule, fibra a fibra;
treme, E estranho sentimento, ou pena ou mágoa ou dó,
Tudo tem e, na sombra, ora ou soluça ou geme,
E a distendo, a subir num caule, fibra a fibra;
Que bom
dizer então bem alto ao firmamento
O que outrora jamais — homem — dizer não pude,
Da menor sensação ao máximo tormento
Quanto passa através minha existência rude!
O que outrora jamais — homem — dizer não pude,
Da menor sensação ao máximo tormento
Quanto passa através minha existência rude!
E,
esfolhando-me ao vento, indômita e selvagem,
Quando aos arrancos vem bufando o temporal,
Quando aos arrancos vem bufando o temporal,
— Poeta —
bramir então à noturna bafagem,
Meu canto triunfal!
Meu canto triunfal!
E isto que
aqui digo então dizer: —que te amo,
Mãe natureza! mas de modo tal que o entendas,
Como entendes a voz do pássaro no ramo
E o eco que têm no oceano as borrascas tremendas;
Mãe natureza! mas de modo tal que o entendas,
Como entendes a voz do pássaro no ramo
E o eco que têm no oceano as borrascas tremendas;
E pedir
que, o uno sol, a cuja luz referves,
Ou no verme do chão ou na flor que sorri,
Mais tarde, em qualquer tempo, a minh'alma conserves,
Para que eternamente eu me lembre de til
Ou no verme do chão ou na flor que sorri,
Mais tarde, em qualquer tempo, a minh'alma conserves,
Para que eternamente eu me lembre de til
TAÇA DE CORAL
Lícias, pastor — enquanto o sol recebe,
Mugindo, o manso armento e ao largo espraia.
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
— Sede também, sede maior, desmaia.
Mas
aplacar-lhe vem piedosa Naia
A sede d'água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.
A sede d'água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.
Bebe, e a
golpe e mais golpe: —"Quer ventura
(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!
(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!
Outra que
mais me aflige e me tortura,
E não em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral é que se mata".
E não em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral é que se mata".
HORAS MORTAS
Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Desta
janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Chegas.O
ósculo teu me vivifica
Mas é tão tarde!Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;
Mas é tão tarde!Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;
E na mesa
em que escrevo apenas fica
Sobre o papel — rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.
Sobre o papel — rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.
VASO GREGO
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o
poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois...
Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota
voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
A VINGANÇA DA PORTA
Era um hábito antigo que ele tinha:
Entrar dando com a porta nos batentes.
— Que te fez essa porta? a mulher vinha
E interrogava. Ele cerrando os dentes:
— Nada!
traze o jantar! — Mas à noitinha
Calmava-se; feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.
Calmava-se; feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.
Urna vez,
ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
Entra mais devagar...— Pára, hesitando...
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
Entra mais devagar...— Pára, hesitando...
Nisto nos
gonzos range a velha porta,
Ri-se, escancara-se.E ele vê na sala,
A mulher como doida e a filha morta.
Ri-se, escancara-se.E ele vê na sala,
A mulher como doida e a filha morta.
Fonte:
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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