ÚLTIMA LEMBRANÇA
Ia partir.
De pé, à popa, junto à amurada,
num recanto isolado do tombadilho do steamer, o seu vestido de viagem atacado
até o queixo, triste e soluçante, ela me disse, tirando da sua bolsa preta de
couro da Rússia um pequenino envelope branco:
− Olha, toma esta lembrança... É
uma porção de mim mesma que aí te fica, e que te acompanhará durante toda esta
ausência... Nunca a abandones, pois, traze-a contigo sempre, sempre...
E tinha a voz presa, velada,
sacudida pelos soluços, enquanto as lágrimas jorravam-lhe dos belos olhos
glaucos, agora raiados de sangue, duas a duas, rolando-lhe pelas faces rosadas
e caindo, ainda quentes, sobre as minhas mãos trêmulas que enlaçavam
demoradamente as suas.
Guardei, comovido, a encantadora
lembrança, que era uma pequena madeixa da sua amada cabeleira de ouro, que em
noites venturosas tanta vez se desmanchara e rolara, em ondas, sobre as
brunidas espáduas de alabastro, ao assalto dos meus dedos febris.
E nervosamente, em silêncio,
beijei-lhe as mãos, que tremiam, estreitando-a longamente contra o meu
coração...
Já o vapor soltava um longo silvo
metálico, dando o sinal da partida.
Então, trocado o adeus
derradeiro, afastei-me tristemente para o portaló, vendo-a amparar-se de
repente, muito pálida e pendida de dor a radiosa cabeça sonhadora, sobre a
balaustrada branca.
O steamer arrancou.
E eu, ainda sobre o cais,
sozinho, alheado de tudo, seguia, de olhar fixo, obstinadamente, esse casco
negro que a levava para outros destinos; e acenava sempre um adeus em direção
ao seu vulto gracioso, destacando-se ainda à popa alta do vapor, que deslizava
já numa esteira de espumas, cuja alvura ondulosa parecia-me a torrente virginal
dos acenos do seu lenço tremulante, que procurava chegar até mim...
Permaneci assim por instantes,
chumbado ao solo, numa nostalgia imensa.
Lentamente, porém, a poeira negra
do crepúsculo alastrou-se no ar, apagando além o recorte azulado das montanhas,
envolvendo-me na treva espessa, quando o brilho sanguíneo e vivo de uma
queimada ao longe arrancou-me desse abatimento, abrindo-se, como uma chaga
inflamada, no seio da noite densa.
Veio-me então uma superstição,
uma fé mística e profunda, e, seguindo com o olhar a fogueira longínqua e
saudosa, beijei doidamente, como numa consagração propiciatória, aquela adorada
lembrança que ia ficar para sempre iluminando e guardando, como uma lâmpada
sagrada, o santuário vazio do meu coração!...
Desterro— 1887
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