O MAR
A Alfredo Soares
Todas as tardes, agora, depois
que os seus olhos luminosos deixaram de arder, extintos e gelados para sempre;
que a sua boca límpida e sonora, favo de mel que secou, não pode mais vibrar a
cristalina melodia dos beijos; que a sua espessa juba loura revolta, de um
fulgor de estrelas, deixou de agitar-se, quente e crespa, por sobre a alta
cabeça encantadora e as brunidas espáduas de mármore; que o seu corpo formoso,
ereto e sem defeito, de um glorioso conjunto de inauditas linhas, não se
erguerá mais para o Amor, nem para as conquistas triunfais da Beleza, fechado,
como está, em uma cova estreita e florida do cemitério do sítio; — todas as
tardes, agora, eu vou sentar-me no alcantilado promontório da ilha, sobre as
penedias tão amigas das ondas, para saciar no sombrio encanto da monotonia e do
vago a lancinante e intensa mágoa que toda aquela paixão legou-me e que só o
vasto Mar ululante poderá bem compreender e amenizar.
Aí me vem envolver, quase sempre,
uma mortalha de crepe, a cinza densa e funerária da noite que desce, quando
estou quase a surpreender, numa nevrose da visão, obcecado por sentimentos
agudos, através das brancas espumas ferventes, a alma azul do Oceano, que ama e
envia no estrondo incessante das vagas a sua dor ao Infinito!
Então, imagino fantasticamente qual
o ideal capaz de amparar aquele sedento e largo coração de leão. E avalio bem,
por fim, que nenhum sentimento satisfará, nunca, o Titã eterno!
A Imensidade etérea e longínqua
que ele constantemente busca e fita com o seu imenso olhar de esmeralda, e para
onde joga os soluços bramantes de apaixonado Ciclope — permanecerá sempre, ante
o seu profundo e tempestuoso amor, enigmática, fria, silenciosa e imóvel...
***
Ó Mar! Ó velho Mar gigante!
tentas embalde o gozo, a alegria e a paz suprema: no meu coração, como nas tuas
águas, onde tanta vez se refletem a azul serenidade do Céu, as setas de ouro do
Sol e as lágrimas prateadas das Estrelas, há uma doença secreta, um amargor
terrível, um rolar de vagalhões contínuos em perpétua desolação!...
Santa Catarina — 1887
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Nota:
Virgílio Várzea: "Contos de Amor" (1901)
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