domingo, 22 de setembro de 2013

Virgílio Várzea: "O Mar"

O MAR
A Alfredo Soares

Todas as tardes, agora, depois que os seus olhos luminosos deixaram de arder, extintos e gelados para sempre; que a sua boca límpida e sonora, favo de mel que secou, não pode mais vibrar a cristalina melodia dos beijos; que a sua espessa juba loura revolta, de um fulgor de estrelas, deixou de agitar-se, quente e crespa, por sobre a alta cabeça encantadora e as brunidas espáduas de mármore; que o seu corpo formoso, ereto e sem defeito, de um glorioso conjunto de inauditas linhas, não se erguerá mais para o Amor, nem para as conquistas triunfais da Beleza, fechado, como está, em uma cova estreita e florida do cemitério do sítio; — todas as tardes, agora, eu vou sentar-me no alcantilado promontório da ilha, sobre as penedias tão amigas das ondas, para saciar no sombrio encanto da monotonia e do vago a lancinante e intensa mágoa que toda aquela paixão legou-me e que só o vasto Mar ululante poderá bem compreender e amenizar.

Aí me vem envolver, quase sempre, uma mortalha de crepe, a cinza densa e funerária da noite que desce, quando estou quase a surpreender, numa nevrose da visão, obcecado por sentimentos agudos, através das brancas espumas ferventes, a alma azul do Oceano, que ama e envia no estrondo incessante das vagas a sua dor ao Infinito!

Então, imagino fantasticamente qual o ideal capaz de amparar aquele sedento e largo coração de leão. E avalio bem, por fim, que nenhum sentimento satisfará, nunca, o Titã eterno!

A Imensidade etérea e longínqua que ele constantemente busca e fita com o seu imenso olhar de esmeralda, e para onde joga os soluços bramantes de apaixonado Ciclope — permanecerá sempre, ante o seu profundo e tempestuoso amor, enigmática, fria, silenciosa e imóvel...

***

Ó Mar! Ó velho Mar gigante! tentas embalde o gozo, a alegria e a paz suprema: no meu coração, como nas tuas águas, onde tanta vez se refletem a azul serenidade do Céu, as setas de ouro do Sol e as lágrimas prateadas das Estrelas, há uma doença secreta, um amargor terrível, um rolar de vagalhões contínuos em perpétua desolação!...

Santa Catarina — 1887


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Nota:
Virgílio Várzea: "Contos de Amor" (1901)

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