UMA
RECORDAÇÃO
O pequenito Leôncio
morrera.
Dois anos apenas!...
Passados oito dias foram
visitar a desventurada mãe.
Carmem vestia a cor das
violetas, e, como a flor mimosa pendida à pálida fronte, chorava.
Palavras de consolação, de
conforto, nada! Todo o remédio aplicado àquela ferida recente mais lhe avivava
a grande dor, mais e mais fazia sangrar o materno coração.
Levantei-me, e, passeando
pela sala, procurava uma idéia qualquer com que a distraísse.
Sobre uma das consolas de
mármore havia uma grande quantidade de quinquilharias galantes; entre elas
sobressaía um pequeno coração de veludo escalarte, artisticamente bordado a
seda com uma coroazinha de amores e violetas, cercando em mimoso relevo de ouro
a doce palavra Amor.
Tomei o delicado trabalho e
chegando-me a triste amiga, disse:
— Que gracioso coração!
Será a cópia do teu, tão formoso e sempre tão cheio de amor, Carmen?
E foste tu que lhe bordaste
essa doce palavra?...
Carmen levantou para mim o
terno olhar magoado e, uma explosão de lágrimas e soluços mais forte do que
antes, rebentou-lhe da alma angustiada.
Atônita, buscando
acalmá-la, depus-lhe no regaço o mimoso coração de veludo escarlate que ela,
num arrebatamento inexplicável, tomou, cobrindo-o de fervorosos beijos.
— Sabes, me disse afim, por
entre soluços e lágrimas, sabes com que fios de ouro bordei essa doce palavra
que me enche o coração?...
Ele tinha os cabelos lindos... macios... longos... louros,
muito louros caindo em graciosos anéis de ouro; um só anel, um só! daquele ouro
precioso bastou-me para formar a doce palavra Amor!
Os fios dourados daqueles
cabelos louros eram o esplendor do meu querido, e os lindos raios daquele
esplendor formoso vestiam de carícias o meu pobre coração gelado pelo frio de
uma eterna viuvez; então, as saudades podiam aqui abrir mais formosas, mais
vividas como nos dias do meu passado feliz! Porém agora... E chorava, chorava
pendida a pálida fronte, qual violeta mimosa a derramar na terra orvalhos que
lhe vem do Céu!
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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