NA SELVA
Na selva à sombra da murta
em flor, eles viviam felizes de amor e de inocência.
Eram noivos ... ali se
encontraram uns dias, ali se adoraram mutuamente.
Ela morena linda de olhos
vivos, redondos, escuros, mimosa percorria os vales, pisando, tão de leve que
nem as melindrosas violetas magoavam.
Ele, moreno também terno e
amoroso, beijava-a à sombra da murta em flor, murmurando idílios de ternura...
Eram noivos, esses juritis
que ali viviam de inocência e amor.
Chegara, entretanto, a
Primavera; era o tempo de se proverem de musgo, paina e palhinhas macias para a
confecção do bercinho de novos amores...
E eles lá se iam pela mata
que florescia, nas manhãs risonhas ou nas tardes serenas juntinhos, arrolhando
carícias, em busca do necessário para o mimoso ninho que no verde capinzal
escondiam.
E lá se iam eles,
descuidados, por uma manhã risonha, caminho da floresta. O companheiro
afastou-se um momento em procura do sazonado fruto para a doce refeição; a
meiga graciosa ficou-se a beira do regato apanhando um grão maduro que o vento
espalhara do arrozal.
Lá no meio da floresta a
figueira brava vergava carregada do miúdo fruto roxo e doce, os passarinhos
trinavam, satisfeitos com a saborosa abundância. Ai! Pobre juriti que deixaste,
por um momento, a meiga companheira a margem do regato afastado...
Por ventura não te era mais
doce o suco do fruto silvestre o amor da tua muita amada?
Ali entre as silvas, um
tronco verde pareceu mover-se... Suspende assustado o passo a inocente
avezinha...
E, do tronco que se movera,
um galho, - um braço ajeitou despeitado a arma fatal que devia destruir todo um
sonho de amor e felicidade!...
O caçador oculta no silvedo
fez partir o chumbo mortífero... e a verde relva dobrou rorejada do sangue
inocente!...
Ai! Pobre juriti que
ficaste, por um momento, a beira do regato afastado... Embalde os teus gemidos
de amor apiedaram depois a mata nas horas melancólicas da saudade, que a
solidão da floresta não mais repercutiu, de um coração amante, os ecos de
infinita ternura!...
Ai! Que a brisa primaveril
embalando o berço dos beija-flores,
suspenso do galho florido da roseira nunca mais, nem uma vez, ouviu arrulhos de
ternura, nas moitas do capinzal, pois que os novos amores malograram-se no seio
de onde a Morte arrebatará o amor que lhes dera vida.
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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