MARABÁ
(Conto Brasileiro)
Ela não tinha a face da cor
do jambo maduro, nem seus olhos eram escuros como as amoras da selva, e nem seu
cabelo negro e corredio como o das outras virgens do sertão.
— Branca e loura era à flor
dos cactos, a formosa rainha da noite, que tem a face de neve e a coma de
pálido ouro. Seus olhos azuis quais mimosas graciolas do prado, eram brilhantes
de vida como as estrelas de uma noite escura.
Não era mais alvo o jasmim
da mata do que a sua branca tez, nem a flor do Pequiá mais vermelha que sua
boca mimosa, e nem o cacho do coqueiro mais dourado que sua opulenta cabeleira.
Mas a virgem Marabá não
tinha sorriso...
Era a branca flor da
urumbeba que desabrocha entre espinhos!
Se, gentil como a graça da
ribeira, ela ia banhar-se à corrente, apenas a grande estrela aparecia no Céu,
a formosa princesa das águas, a linda napê-jaçanau que abre nas ilhas
verdejantes do igapê do rio, invejava-lhe a brancura dos seios, e, quando o sol
nascente feria com suas setas de ouro as sossegadas águas, a flor rodeava de
amargura e zelos, que no cristalino espelho sempre se via menos bela do que a
virgem da floresta.
Um dia a Marabá voltou
pensativa ...
Ela vira a grande Igára do
guerreiro do mar.
E o guerreiro branco era
formoso e sorria; e o guerreiro da tribo desprezava-a porque era Marabá!
Ele tinha o rosto levemente
tostado pela brisa dos mares; seus cabelos, suavemente ondeados, tinham a cor
mais escura que a do fruto do castanheiro, porém não eram negros e ásperos como
os das filhas do sertão.
Os olhos, da cor dos
cabelos, brilhavam como o fulgor da glória e enlanguesciam com o quebranto do
amor.
E o guerreiro branco sorria
fitando-a ...
Mas a virgem selvagem fugiu
como a gazela gentil.
No outro dia, a beira do
rio, a Marabá cantou o triste e meigo canto da mestiça; era um queixume
terno e melodioso como o gemer da juriti sem companheiro.
Ela suspirava assim:
Sou branca e linda como
a açucena ,
sou, como ela, pura e
gentil;
tenho os cabelos em
cachos de ouro,
tenho nos olhos a cor do
anil.
Sou bela e triste e sou
chorosa
qual entre espinhos a
flor que abriu;
meus olhos garços só
sentem lágrimas
como o rocio que a flor
cobriu.
não tem meus lábios doce
sorriso,
não tem meu peito fogo
de amor;
mas, ah! bem sinto, no
seio virgem,
De estranho anelo prazer
e dor!
O guerreiro do mar ouviu o
canto da virgem infeliz...
Uma tarde a Igára chegou
pertinho; o guerreiro branco sorria; já tantas vezes sorria assim...
Ele colheu a napê-jaçanan
que se levanta das águas, beijou-a, apertou-a ao peito; depois, atirou-a a
virgem formosa, e o guerreiro falou: - Vem!
O som do boré estrugio na
mata; os filhos da selva iam chegar.
Assustada, a virgem
selvagem lançou-se as águas serenas do rio...
Um momento após a
desventurada sobre o valente coração do guerreiro branco, já sorria feliz!
E a grande igára partiu,
mais veloz do que a uira do guerreiro tupi .
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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