AGAR
Sobre o pálido azul do Oriente desdobrava a aurora o seu
manto de púrpura e ouro; brilhante véu de luz escondera as estrelas do
firmamento.
Além, além pela solidão do deserto, caminhava Agar, - a
escrava sem lar, sem amor.
Dormia-lhe Ismael nos braços e de seus ombros delicados
pendia-lhe uma cabaça com água e um alforje com pão.
Seus olhos tristes dirigiam-se ao Céu resplandecente,
enquanto dos lábios vermelhos como a silvestre flor que vem de desabrochar,
voam-lhe suavíssimas preces envoltas nos suspiros da Natureza.
Oh! Deus! exclama, não pereça Ismael, meu filho caro, por
meu seio, de cansado, negar-lhe o doce alimento. Antes que o sol desapareça
nesta soledade, dá que meus olhos avistem os verdores de um Oásis em que possam
repousar meus fastigados membros, e onde minha boca sequiosa encontre o veio de
alguma cristalina fonte .
E ela estendia a vista pela imensidade cujas areias
brilhavam aos raios do sol ardente, como poeira de diamantes.
Ismael acorda.
Mãe, água! debilmente balbucia com voz suave e meiga como
o balido da ovelha terna.
Agar olha derredor...
Só o areal, que fulgia como uma poeira de diamantes!
Deixando o filhinho sobre o chão abrasador, ela afastou-se
febril, em lágrimas, murmurando:
Ao menos não o verei morrer!
Agar, Agar! uma voz suavíssima, do alto, disse.
E um anjo formoso, em alvíssima nuvem brilhante tocava-lhe
o ombro, como se a despertasse.
Agar fitava-o, pasma.
— Toma água dessa fonte, bebe, e dá de beber a
teu filho. Deus é convosco; caminha; Ismael será o chefe de uma poderosa nação.
E a visão desapareceu.
Como um espelho de cristal, uma fonte d água puríssima e
fresca se estendia, ali, no areal do deserto inclemente.
Agar tomou seu filho, e, naquela maravilhosa fonte, com
ele, desalterou o peito enfebrecido.
Ismael veio a ser o pai de um grande povo.
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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