A ESTRELA
DA BONANÇA
O mar estava negro, e negro
estava o Céu.
Temerosas vagas erguiam-se
à altura dos rochedos, onde se despedaçavam com pavoroso fragor, espumantes de
ameaçadora fúria.
Impelidos pelo tufão,
corriam no espaço escuros nimbos semelhando enormes abutres pairando por
sobre abismos insondáveis.
A natureza toda parecia
envolta no luctoso véu da morte.
Deus! entre horrores do Céu
e do Oceano, um navio rodopiava á mercê da tormenta!
No tombadilho, a equipagem
silenciosa agrupava-se presa de terror, que o piloto, desanimado, já não
mandava a manobra, perdida o rumo, a bússola desarranjada.
Era a hora da Ave Maria; -
em meio do horror da tempestade, o capitão descobre a fronte morena, prosta-se
de joelhos e convida a orar.
Toda a tripulação
descobre-se e ajoelha sobre o tombadilho.
Virgem Senhora da Bonança,
Estrela, radiosa do Céu e do Mar, pelas sete dores que te pungiram o materno
coração quando peregrinavas na terra; pela Cruz bendita de teu Filho Santo,
estende por sobre este Céu de horrores o teu manto azul e mostra-nos no
horizonte a formosa estrela da tarde imagem tua.
Estampa no firmamento da
noite o Sete estrelo, - símbolo das tuas dores indizíveis, e o cruzeiro
brilhante, formoso emblema da salvação. Nós, pecadores agradecidos, levaremos
ao sopé do teu altar augusto as rotas velas da nossa desventurada barca
homenagem de fé e gratidão ao teu piedoso amor...
O trovão reboou no
espaço...
O raio fendeu a negrura do
Céu.
Romperam-se os nimbos e
a chuva caiu torrencial.
Lá, no longínquo horizonte,
rasgou-se a cobertura da tempestade, descobrindo uma nesga de azul puríssimo, e
a formosa estrela da tarde lentamente surgiu por entre os véus despedaçados da
procela...
Era que a Virgem da Bonança
estendia o seu manto azul constelado, em que resplandecia o Sete-estrelo e o
cruzeiro formoso!
E o mar, pouco a pouco
sossegado, retratava humilde a radiosa estrela bendita.
Depois, quando a manhã
serena já dourava as ondas mansinhas, na praia, os marinheiros enastravam de
flores as rotas velas da embarcação, conduzindo-as, após, reverentes, entre
cânticos de louvores, ao sopé do altar em que a formosa imagem da Virgem
Senhora da Bonança parecia acolher com sorriso de maternal amor o preito singelo
de tanta fé e gratidão.
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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