quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Iba Mendes: "Infidelidade"

INFIDELIDADE

Desde que a mulher, pela primeira vez, chegou atrasada em casa, passou a desconfiar dela, a vê-la com o olhar de um indivíduo traído e a tratá-la como se a tivesse surpreendido em circunstância indecorosa, na cama com outro homem.

Há sete anos que ela trabalha como recepcionista numa agência de automóvel. Entrava às oito da manhã e saía sempre às cinco da tarde. Do trabalho ia diretamente para casa e, de tal modo, que este hábito se transformou para ele numa espécie de garantia de fidelidade. Daí a ideia fixa com a qual julgava agora a companheira como despudorada e traidora.
Tentou conjecturar outras hipóteses. Talvez a mulher tivesse razão quando disse que simplesmente tinha ido ao Shopping comprar uma coisa. Logo, porém, indagava a si mesmo se ela não poderia ter feito isso num outro dia, no sábado ou domingo, ou então, já que quisesse ir durante a semana, que o avisasse antecipadamente. Ora, custava fazer isso?
Mentalmente via-se andando na rua enquanto pessoas sentadas nas calçadas riam dele com malícia e faziam comentários zombeteiros a seu respeito.
Com o decorrer dos dias, a ideia de infidelidade o dominou completamente, convertendo-se numa verdadeira obsessão. Do deitar ao levantar só pensava nisso. No trabalho desconcentrava-se dos seus deveres e se punha a imaginar mil situações envolvendo a esposa e seu suposto amásio.
Ao pressentimento de traição, seguiu-se o sentimento de culpa, que o martirizava.  Aventava a ideia de que poderia ter falhado no seu papel de marido. Deveria ter sido mais carinhoso e prestativo com a mulher. Lembrou-se de que já não mais a elogiava, posto que no início do casamento não se cansava de ressaltar sua beleza e de chamá-la "minha linda" etc. De uns tempos para cá, acostumara com a rotina de casado, e de tal maneira que se esquecera de exaltar suas qualidades, sua roupa, seu corte de cabelo, sua comida, enfim, nem sequer a beijava como antes!
A culpa, entretanto, aos poucos se esvaía de sua mente perturbada, que agora se ocupava apenas em encontrar um jeito de se vingar de tamanho ultraje. A primeira ideia era ir ter com ela e obrigá-la a confessar sua sem-vergonhice, dizer-lhe os piores desaforos e expulsá-la de casa. Enquanto maquinava tais pensamentos, fora tomado por outra súbita e iluminada ideia, que lhe parecia ainda mais doce para rematar sua vingança.
Era sexta-feira. Acabava de sair do trabalho. Nesta circunstância era hábito ir diretamente para casa, onde encontrava a mulher ao pé da pia ou aprontando o jantar. Neste dia, porém, tomou o ônibus e dirigiu-se ao famoso "Bar 32", onde pretendia consumar seu duplo desejo. Este local era afamado na região pela abundância das meretrizes. Dizia-se que até mulheres casadas ofereciam por lá seus préstimos serviços.
Enquanto isso, em casa, a mulher que acabava de aprontar o jantar, desembrulhava, entre soluços e lágrimas, o presente que havia comprado no Shopping para ele. Era para comemorar os dez anos de casados.

São Paulo, 2016

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