segunda-feira, 23 de novembro de 2015

J.R. de Oliveira Santos: "5 Poemas"

A MORTE DE GONÇALVES DIAS

Vendo a noite da vida aproximar-se,
Na pátria procurou vir asilar-se...
Entre os seus expirar;
Mas antes de chegar lhe anoitecera,
E na terra, que tanto engrandecera
Não pôde repousar.


Entre as vagas — á vida quase exausta —,
Já marcado lhe havia a sorte infausta
O jazigo final:
Em vão fugir tentou ao seu destino,
Que além — gemendo — o mar lhe entoa o hino
Do triste funeral.


Do verde palmeiral à grata sombra
Mais quisera o cantor ter por alfombra
A terra em que nasceu:
À tarde ouvir das aves o gorjeio,
E d noite recolher no frio seio
Os orvalhos do céu;

Mas não quis o destino caprichoso
Que o cantor das palmeiras mavioso
Dormisse à sombra delas!
Quis dar-lhe mais extensa sepultura,
Onde, cm vez de mil cantos de ternura.
Ouça a voz das procelas!
Melhor foi!... que não deve o frágil barro.
Que cm si conteve um gênio tão bizarro,
Ser dos vermes roído!
Invólucro de espírito divino,
Só lhe deve. alternar da glória o hino
Oceânico gemido!

Invólucro dum'alma grande e nobre.
Alguns palmos de terra era mui pobre
Jazigo a gênio tal!
Do atlântico a vasta sepultura
É mais própria, de certo, e mais n'altura
Do cantor imortal!

Dorme, pois, do Brasil cantor mui terno,
Entre as vagas azuis, que o sono eterno
Perturbar-te não vou:
Quis um hino elevar-te bem sentido;
Mas só pude soltar este gemido,
Com que a lira estalou.



SEGREDO

Eu gosto do tipo dela,
Porque a bondade revela
Na doçura da expressão;
Porque em seus olhos eu leio
Que daquele anjo no seio
Pulsa um leal coração.

Gosto dela, porque é linda;
Porém muito mais ainda
Pelo seu ar meigo e triste:
Porque o peito me adivinha
Que a suprema dita minha
Na posse dela consiste

Pode a paixão desvairar-me;
Pôde aos abismos lançar-me
De uma sorte bem tirana;
Mas o seu rosto expressivo,
Ar tão meigo e pensativo,
Enganar-me?!... oh! hão engana!

Não pôde um corpo tão belo
Modo tão franco e singelo
Encobrir negra traição!
Anjo d'amor na aparência,
Dos anjos tem a inocência;
Diz-m'o a voz do coração.

Eis aqui porque eu a adoro,
E porque ás vezes deploro
Não lhe falar deste amor:
Que amor tão casto e sincero!...
Qu'importa? com ele não quero
Profanar a linda.flor!

Amor em um peito humano
Aspira a um gozo mundano
Que aos anjos não fica bem:
Não saiba, pois a donzela
Que eu morro de amor por ela.
Oh! não o saiba ninguém! 

Não há de o mundo corrupto
Escarnecer — dissoluto —
Deste afeto tão sagrado,
Nem lançar a- vista impura
Sobre as azas de candura
Do meu anjo idolatrado.



PREVENÇÃO

Era no leito da morte
O nobre Lucas Afonso,
E a mulher, lendo um responso.
Ao pé do leito jazia.
De súbito o moribundo
Ergue os olhos, rasos d'água
E à mulher com muita mágoa
Suspirando assim dizia:

Ai, Clélia! da morte escura
Vou prestes entrar no seio!
És bela o rica. Receio
Que ao consórcio não resistas.
E um meu casamento temo
Por nossa filhinha Rosa...
 — Não temas, lhe diz a esposa,
Que eu bem sei quem tenho em vistas.



FONTE DE AMOR
(Num álbum.)

Ai, que sol! que ardente calma!
Que sede, meu Deus! que sede!
E embalde pede minh’alma,
Embalde uma fonte pede!

Sinto a febre a devorar-me!
Tenho as entranhas a ardor!
Sem achar, p'ra saciar-me,
Uma fontinha sequer!

Debalde busco em delírio
Onde apagar este ardor!
Morro à sede... ai! que martírio!
Não acho a fonte... d'amor!



A ARTUR NAPOLEÃO

Recitada no teatro de S. Luiz pelo artista dramático Antônio José Duarte Coimbra no primeiro concerto dado ai li pelo distinto pianista.

Era apenas tenro infante
Quando a um povo delirante
O seu gênio deslumbrante
Mil aplausos arrancou!
É que o anjo da harmonia,
Baixando à terra no dia
Em que o menino nascer;
Sobre a fronte lhe pousou!

O Porto não se enganara,
Quando assim profetizara
Na criança, que embalara
Distinto padrão de glória!
Que, artista por vocação,
Hoje Arthur Napoleão
Brilha com vivo clarão
Dos grandes gênios na historia!

O Porto não se enganam
Quando no infante julgara
Ver um gênio, que aclamara,
Ufano dele e de si!
Que as provas de um tal apreço,
Ao pianista desde o berço.
Deu-as depois o universo,
Damo-las nos hoje aqui!

Nas artes, bem como em tudo,
Embora aproveite o estudo,
Sempre são mesquinho e rudo
Quem nasceu sem vocação:
Feliz, pois, o bem fadado,
Que no berço bafejado
Foi de um gênio sublimado
Como Artur Napoleão!

Salve gênio deslumbrante
Que 'inda apenas tenro infante.
Dentre um povo delirante
Mil aplausos arrancaste!

(1868)

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