A MORTE DE GONÇALVES DIAS
Vendo a noite da
vida aproximar-se,
Na pátria procurou
vir asilar-se...
Entre os seus
expirar;
Mas antes de
chegar lhe anoitecera,
E na terra, que
tanto engrandecera
Não pôde repousar.
Entre as vagas — á
vida quase exausta —,
Já marcado lhe
havia a sorte infausta
O jazigo final:
Em vão fugir
tentou ao seu destino,
Que além — gemendo
— o mar lhe entoa o hino
Do triste funeral.
Do verde palmeiral
à grata sombra
Mais quisera o
cantor ter por alfombra
A terra em que
nasceu:
À tarde ouvir das
aves o gorjeio,
E d noite recolher
no frio seio
Os orvalhos do
céu;
Mas não quis o
destino caprichoso
Que o cantor das
palmeiras mavioso
Dormisse à sombra
delas!
Quis dar-lhe mais
extensa sepultura,
Onde, cm vez de
mil cantos de ternura.
Ouça a voz das
procelas!
Melhor foi!... que
não deve o frágil barro.
Que cm si conteve
um gênio tão bizarro,
Ser dos vermes roído!
Invólucro de espírito
divino,
Só lhe deve. alternar
da glória o hino
Oceânico gemido!
Invólucro dum'alma
grande e nobre.
Alguns palmos de
terra era mui pobre
Jazigo a gênio
tal!
Do atlântico a
vasta sepultura
É mais própria, de
certo, e mais n'altura
Do cantor imortal!
Dorme, pois, do
Brasil cantor mui terno,
Entre as vagas
azuis, que o sono eterno
Perturbar-te não
vou:
Quis um hino
elevar-te bem sentido;
Mas só pude soltar
este gemido,
Com que a lira
estalou.
SEGREDO
Eu gosto do tipo dela,
Porque a bondade
revela
Na doçura da
expressão;
Porque em seus
olhos eu leio
Que daquele anjo
no seio
Pulsa um leal
coração.
Gosto dela, porque
é linda;
Porém muito mais
ainda
Pelo seu ar meigo
e triste:
Porque o peito me
adivinha
Que a suprema dita
minha
Na posse dela
consiste
Pode a paixão
desvairar-me;
Pôde aos abismos
lançar-me
De uma sorte bem tirana;
Mas o seu rosto
expressivo,
Ar tão meigo e
pensativo,
Enganar-me?!... oh!
hão engana!
Não pôde um corpo
tão belo
Modo tão franco e
singelo
Encobrir negra
traição!
Anjo d'amor na aparência,
Dos anjos tem a inocência;
Diz-m'o a voz do coração.
Eis aqui porque eu
a adoro,
E porque ás vezes
deploro
Não lhe falar
deste amor:
Que amor tão casto
e sincero!...
Qu'importa? com ele
não quero
Profanar a
linda.flor!
Amor em um peito
humano
Aspira a um gozo
mundano
Que aos anjos não
fica bem:
Não saiba, pois a
donzela
Que eu morro de
amor por ela.
Oh! não o saiba
ninguém!
Não há de o mundo
corrupto
Escarnecer — dissoluto
—
Deste afeto tão
sagrado,
Nem lançar a-
vista impura
Sobre as azas de
candura
Do meu anjo
idolatrado.
PREVENÇÃO
Era no leito da
morte
O nobre Lucas Afonso,
E a mulher, lendo
um responso.
Ao pé do leito
jazia.
De súbito o
moribundo
Ergue os olhos,
rasos d'água
E à mulher com
muita mágoa
Suspirando assim
dizia:
Ai, Clélia! da
morte escura
Vou prestes entrar
no seio!
És bela o rica.
Receio
Que ao consórcio
não resistas.
E um meu casamento
temo
Por nossa filhinha
Rosa...
— Não temas, lhe diz a esposa,
Que eu bem sei
quem tenho em vistas.
FONTE DE AMOR
(Num álbum.)
(Num álbum.)
Ai, que sol! que ardente calma!
Que sede, meu
Deus! que sede!
E embalde pede
minh’alma,
Embalde uma fonte
pede!
Sinto a febre a devorar-me!
Tenho as entranhas
a ardor!
Sem achar, p'ra
saciar-me,
Uma fontinha
sequer!
Debalde busco em
delírio
Onde apagar este
ardor!
Morro à sede...
ai! que martírio!
Não acho a
fonte... d'amor!
A ARTUR NAPOLEÃO
Recitada no teatro
de S. Luiz pelo artista dramático Antônio José Duarte Coimbra no primeiro concerto
dado ai li pelo distinto pianista.
Era apenas tenro
infante
Quando a um povo
delirante
O seu gênio
deslumbrante
Mil aplausos
arrancou!
É que o anjo da
harmonia,
Baixando à terra
no dia
Em que o menino
nascer;
Sobre a fronte lhe
pousou!
O Porto não se
enganara,
Quando assim profetizara
Na criança, que
embalara
Distinto padrão de
glória!
Que, artista por
vocação,
Hoje Arthur
Napoleão
Brilha com vivo
clarão
Dos grandes gênios
na historia!
O Porto não se
enganam
Quando no infante
julgara
Ver um gênio, que aclamara,
Ufano dele e de
si!
Que as provas de
um tal apreço,
Ao pianista desde
o berço.
Deu-as depois o
universo,
Damo-las nos hoje
aqui!
Nas artes, bem
como em tudo,
Embora aproveite o
estudo,
Sempre são
mesquinho e rudo
Quem nasceu sem
vocação:
Feliz, pois, o bem
fadado,
Que no berço
bafejado
Foi de um gênio
sublimado
Como Artur
Napoleão!
Salve gênio
deslumbrante
Que 'inda apenas
tenro infante.
Dentre um povo delirante
Mil aplausos
arrancaste!
(1868)
(1868)
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