O ACENDEDOR DE LAMPIÕES
Lá vem o acendedor
de lampiões de rua!
Este mesmo que
vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e
associar-se à lua
Quando a sobra da
noite enegrece o poente.
Um, dois, três
lampiões, acende e continua
Outros mais a
acender imperturbavelmente,
À medida que a
noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua
apenas se pressente.
Triste ironia
atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a
noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha
luz na choupana em que habita.
Tanta gente também
nos outros insinua
Crenças,
religiões, amor, felicidade
Como este
acendedor de lampiões de rua!
ESSA NEGRA FULÔ
Ora, se deu que
chegou
(isso já faz muito
tempo)
no bangüê dum meu
avô
uma negra
bonitinha,
chamada negra
Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da
Sinhá)
— Vai forrar a
minha cama
pentear os meus
cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa,
Fulô!
Essa negra Fulô
Essa negrinha
Fulô!
ficou logo pra
mucama
pra vigiar a
Sinhá,
pra engomar pro
Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da
Sinhá)
vem me ajudar, ó
Fulô,
vem abanar o meu
corpo
que eu estou
suada, Fulô!
vem coçar minha
coceira,
vem me catar
cafuné,
vem balançar minha
rede,
vem me contar uma
história,
que eu estou com
sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia
uma princesa
que vivia num
castelo
que possuía um
vestido
com os peixinhos
do mar.
Entrou na perna
dum pato
saiu na perna dum
pinto
o Rei-Sinhô me
mandou
que vos contasse
mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para
dormir
esses meninos,
Fulô!
"minha mãe me
penteou
minha madrasta me
enterrou
pelos figos da
figueira
que o Sabiá
beliscou".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da
Sinhá
Chamando a negra
Fulô!)
Cadê meu frasco de
cheiro
Que teu Sinhô me
mandou?
— Ah! Foi você que
roubou!
Ah! Foi você que
roubou!
O Sinhô foi ver a
negra
levar couro do
feitor.
A negra tirou a
roupa,
O Sinhô disse:
Fulô!
(A vista se
escureceu
que nem a negra
Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de
rendas,
Cadê meu cinto,
meu broche,
Cadê o meu terço
de ouro
que teu Sinhô me
mandou?
Ah! foi você que
roubou!
Ah! foi você que
roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra
Fulô.
A negra tirou a
saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle
pulou
nuinha a negra
Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu
Sinhô
que Nosso Senhor
me mandou?
Ah! Foi você que
roubou,
foi você, negra
fulô?
Essa negra Fulô!
A MÃO ENORME
Dentro da noite,
da tempestade,
a nau misteriosa
lá vai.
O tempo passa, a
maré cresce,
O vento uiva.
A nau misteriosa
lá vai.
Acima dela
que mão é essa
maior que o mar?
Mão de piloto?
Mão de quem é?
A nau mergulha,
o mar é escuro,
o tempo passa.
Acima da nau
a mão enorme
sangrando está.
A nau lá vai.
O mar transborda,
as terras somem,
caem estrelas.
A nau lá vai.
Acima dela
a mão eterna
lá está.
INVERNO
Zefa, chegou o
inverno!
Formigas de asas e
tanajuras!
Chegou o inverno!
Lama e mais lama
chuva e mais
chuva, Zefa!
Vai nascer tudo,
Zefa,
Vai haver verde,
verde do bom,
verde nos galhos,
verde na terra,
verde em ti, Zefa,
que eu quero bem!
Formigas de asas e
tanajuras!
O rio cheio,
barrigas cheias,
mulheres cheias,
Zefa!
Águas nas locas,
pitus gostosos,
carás, cabojés,
e chuva e mais
chuva!
Vai nascer tudo
milho, feijão,
até de novo
teu coração, Zefa!
Formigas de asas e
tanajuras!
Chegou o inverno!
Chuva e mais
chuva!
Vai casar, tudo,
moça e viúva!
Chegou o inverno
Covas bem fundas
pra enterrar cana:
cana caiana e flor
de Cuba!
Terra tão mole
que as enxadas
nelas se afundam
com olho e tudo!
Leite e mais leite
pra requeijões!
Cargas de imbu!
Em junho o milho,
milho e canjica
pra São João!
E tudo isto,
Zefa...
E mais gostoso
que tudo isso:
noites de frio,
lá fora o escuro,
lá fora a chuva,
trovão, corisco,
terras caídas,
córgos gemendo,
os caborés
gemendo,
os caborés piando,
Zefa!
Os cururus
cantando, Zefa!
Dentro da nossa
casa de palha:
carne de sol
chia nas brasas,
farinha d'água,
café, cigarro,
cachaça, Zefa...
...rede gemendo...
Tempo gostoso!
Vai nascer tudo!
Lá fora a chuva,
chuva e mais
chuva,
trovão, corisco,
terras caídas
e vento e chuva,
chuva e mais
chuva!
Mas tudo isso,
Zefa,
vamos dizer,
só com os poderes
de Jesus Cristo!
PELO SILÊNCIO
Pelo silêncio que
a envolveu, por essa
aparente distância
inatingida,
pela disposição de
seus cabelos
arremessados sobre
a noite escura:
pela imobilidade
que começa
a afastá-la talvez
da humana vida
provocando-nos o
hábito de vê-la
entre estrelas do
espaço e da loucura;
pelos pequenos
astros e satélites
formando nos
cabelos um diadema
a iluminar o seu formoso
manto,
vós que julgais
extinta Mira-Celi
observai neste
mapa o vivo poema
que é a vida
oculta dessa eterna infanta.
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