DANÇA
DE CENTAURAS
Patas dianteiras no
ar, bocas livres dos freios,
Nuas, em grita, em
ludo, entrecruzando as lanças,
Ei-las, garbosas
vêm, na evolução das danças
Rudes, pompeando à
luz a brancura dos seios.
A noite escuta,
fulge o luar, gemem as franças;
Mil centauras a
rir, em lutas e torneios,
Galopam livres, vão
e vêm, os peitos cheios
De ar, o cabelo
solto ao léu das auras mansas.
Empalidece o luar,
a noite cai, madruga...
A dança hípica pára
e logo atroa o espaço
O galope infernal
das centauras em fuga:
É que, longe, ao
clarão do luar que empalidece,
Enorme, aceso o
olhar, bravo, do heróico braço
Pendente a clava
argiva, Hércules aparece...
DE
VOLTA
Mais encanto que a
mais populosa cidade,
Dentre tantas que
viu, a sua aldeia encerra,
— Uma nesga de gleba
e socalcos de serra
Sob um céu sempre
azul, de ampla serenidade.
Por tudo o olhar
derrama ungido de saudade,
E, evocando o
passado, os tristes olhos cerra.
Neste instante
feliz, nada há que mais lhe agrade
Que sentir-se entre
os seus em sua própria terra.
Chega. O primeiro
amigo a quem a mão aperta,
Quase à meiga
pressão se esquiva, indiferente,
E de outras efusões
mais vivas se liberta.
Nessa mão, que
recua, outras, frias, pressente...
Antes exílio e dor,
pão duro e vida incerta,
Que o desprezo arrostar
da sua própria gente.
DESEJO
INÚTIL
(a Vicente de Carvalho)
Qualquer cousa
afinal de belo escolher devo
Para em verso
plasmar no esforço da obra-prima:
Flor que viceja à
sombra, asa que paira em cima,
Aroma de um pomar
ou de um campo de trevo.
Aroma, ou asa, ou
flor... Tudo o que diga e exprima
Perde, ao moldar-se
em verso, o seu próprio relevo,
Porque sinto, mau
grado a glória com que escrevo, ["mau grado" mesmo]
Presa a imaginação
no limite da rima.
Não val pois
provocar, e sem que isto te praza,
Minh'alma, e por
amor d'arte que se não doma,
A mágoa que te dói
e a febre que te abrasa:
O aroma, sente!
est'asa, admira! esta flor, toma!
Mas deixa continuar
inexprimidas a asa,
A beleza da flor e
a frescura do aroma.
EGITO
No ar pesado,
nenhum rumor, o menor grito;
Nem no chão calvo e
seco o mais pequeno adorno;
Um velho ibe
somente arranca um raro piorno
Que cresce pelos
vãos das lájeas de granito.
A aura branda, que
vem do deserto infinito,
Arrepia, ao de
leve, a água do Nilo, em torno.
Corre o Nilo, a
gemer, sob um calor de forno
Que, em ondas,
desce do alto e invade todo o Egito.
Destacando na luz,
agora o vulto absorto
De um adelo que
passa, em caminho da feira,
Dá mais um tom de
mágoa ao vasto quadro morto.
Bate na areia o
sol. E, num sonho tranquilo,
Pompeia, ao largo,
a alvura uma barca veleira,
A tremer, a tremer
sobre as águas do Nilo.
INVERNO
Outrora, quanta
vida e amor nestas formosas
Ribas! Quão verde e
fresca esta planície, quando,
Debatendo-se no ar,
os pássaros, em bando,
O ar enchiam de
sons e queixas misteriosas!
Tudo era vida e
amor. As árvores copiosas
Mexiam-se, de
manso, ao resfólego brando
Da brisa que
passava em tudo derramando
O perfume sutil dos
cravos e das rosas...
Mas veio o inverno;
a vida e amor foram-se em breve...
O ar se encheu de
rumor e de uivos desolados...
As árvores do
campo, enroupadas de neve,
Sob o látego atroz
da invernia que corta,
São esqueletos que,
de braços levantados,
Vão pedindo socorro
à primavera morta.
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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