MÃE
Renovadora e
reveladora do mundo
A humanidade se
renova no teu ventre.
Cria teus filhos,
não os entregues à
creche.
Creche é fria,
impessoal.
Nunca será um lar
para teu filho.
Ele, pequenino,
precisa de ti.
Não o desligues da
tua força maternal.
Que pretendes,
mulher?
Independência,
igualdade de condições...
Empregos fora do
lar?
És superior
àqueles
que procuras
imitar.
Tens o dom divino
de ser mãe
Em ti está
presente a humanidade.
Mulher, não te
deixes castrar.
Serás um animal
somente de prazer
e às vezes nem
mais isso.
Frígida,
bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada,
fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso
negro da amargura.
ANINHA E SUAS PEDRAS
Não te deixes
destruir…
Ajuntando novas
pedras
e construindo
novos poemas.
Recria tua vida,
sempre, sempre.
Remove pedras e
planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida
mesquinha
um poema.
E viverás no
coração dos jovens
e na memória das
gerações que hão de vir.
Esta fonte é para
uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas
páginas
e não entraves seu
uso
aos que têm sede.
POEMA DO MILHO
Milho...
Punhado plantado
nos quintais.
Talhões fechados
pelas roças.
Entremeado nas
lavouras,
Baliza marcante
nas divisas.
Milho verde. Milho
seco.
Bem granado, cor
de ouro.
Alvo. Às vezes
vareia,
- espiga roxa,
vermelha, salpintada.
Milho virado,
maduro, onde o feijão enrama
Milho quebrado,
debulhado
na festa das
colheitas anuais.
Bandeira de milho
levada para os montes
largada pelas
roças:
Bandeiras
esquecidas na fartura.
Respiga descuidada
dos pássaros e dos
bichos.
Milho empaiolado.
abastança
tranqüila
do rato,
do caruncho.
do cupim.
Palha de milho
para o colchão.
Jogada pelos
pastos.
Mascada pelo gado.
Trançada em fundos
de cadeiras.
Queimada nas
coivaras.
Leve mortalha de
cigarros.
Balaio de milho
trocado com o vizinho
no tempo da
planta.
"- Não se
planta, nos sítios, semente da mesma terra".
Ventos rondando,
redemoinhando.
Ventos de outubro.
Tempo mudado.
Revôo de saúva.
Trovão surdo,
tropeiro.
Na vazante do
brejo, no lameiro,
o sapo-fole, o
sapo-ferreiro, o sapo-cachorro.
Acauã de madrugada
marcando o tempo,
chamando chuva.
Roça nova
encoivarada,
começo de brotação.
Roça velha
destocada.
Palhada batida,
riscada de arado.
Barrufo de chuva.
Cheiro de terra;
cheiro de mato,
Terra molhada,
Terra saroia.
Noite chuvada,
relampeada.
Dia sombrio. Tempo
mudado, dando sinais.
Observatório: lua
virada. Lua pendida...
Circo amarelo,
distanciado,
marcando chuva.
Calendário,
Astronomia do lavrador.
planta de milho na
lua-nova.
Sistema velho
colonial.
Planta de enxada.
Seis grãos na
cova,
quatro na regra,
dois de quebra.
Terra arrastada
com o pé,
pisada, incalcada,
mode os bichos.
Lanceado
certo-cabo-da-enxada...
Vai, vem... sobe,
desce...
terra molhada,
terra saroia...
Seis grãos na
cova; quatro na regra, dois de quebra
Sobe. Desce...
Camisa de riscado,
calça de mescla
Vai, vem...
golpeando a terra,
o plantador.
Na sombra da
moita,
na volta do toco -
o ancorote d'água:
Cavador de milho,
que está fazendo?
A que milênios vem
você plantando.
Capanga de grãos
dourados a tiracolo.
Crente da Terra,
Sacerdote da terra.
Pai da terra.
Filho da terra.
Ascendente da
terra.
Descendente da
terra.
Ele; mesmo; terra.
Planta com fé
religiosa.
Planta sozinho,
silencioso.
Cava e planta.
Gestos pretéritos,
imemoriais...
Oferta remota;
patriarcal.
Liturgia
milenária.
Ritual de paz.
Em qualquer parte
da Terra
um homem estará
sempre plantando,
recriando a Vida.
Recomeçando o
Mundo.
Milho plantado;
dormindo no chão, aconchegados
seis grãos na
cova.
Quatro na regra,
dois de quebra.
Vida inerte que a
terra vai multiplicar
E vem a perseguição:
o bichinho anônimo
que espia, pressente.
A formiga-cortadeira
- quenquém.
A ratinha do chão,
exploradeira.
A rosca vigilante
na rodilha,
O passo-preto
vagabundo, galhofeiro,
vaiando,
sorrindo...
aos gritos
arrancando, mal aponta.
O cupim
clandestino
roendo, minando,
só de ruindade.
E o milho realiza
o milagre genético de nascer:
Germina. Vence os
inimigos,
Aponta aos
milhares.
- Seis grãos na
cova.
- Quatro na regra,
dois de quebra,
Um canudinho
enrolado.
Amarelo-pálido,
frágil, dourado,
se levanta.
Cria sustância.
Passa a verde.
Liberta-se.
Enraíza,
Abre folhas
espaldeiradas.
Encorpa. Encana.
Disciplina,
com os poderes de
Deus.
Jesus e São João
desceram de noite
na roça,
botaram a bênção
no milho,
E veio com eles
uma chuva maneira,
criadeira, fininha,
uma chuva
velhinha,
de cabelos brancos,
abençoando
a infância do
milho.
O mato vem vindo
junto,
Sementeira.
As pragas todas,
conluiadas.
Carrapicho.
Amargoso. Picão.
Marianinha.
Caruru-de-espinho.
Pé-de-galinha.
Colchão.
Alcança, não
alcança.
Competição.
Pac... Pac...
Pac...
a enxada canta.
Bota o mato
abaixo.
arrasta uma
terrinha para o pé da planta.
"...- Carpa
bem feita vale por duas..."
Quando pode.
Quando não... sarobeia.
Chega terra O
milho avoa.
Cresce na vista
dos olhos.
Aumenta de dia.
Pula de noite.
Verde Entonado, disciplinado,
sadio.
Agora...
A lagarta da
folha,
lagarta
rendeira...
Quem é que vê?
Faz a renda da
folha no quieto da noite.
Dorme de dia no
olho da planta,
Gorda; Barriguda.
Cheia.
Expurgo: nada...
força da lua..,
Chovendo acaba - a
Deus querê.
"O mio tá
bonito..."
"-Vai sê bão
o tempo pras lavoras todas."
"-O mio tá
marcando..."
Condieionando o
futuro:
"- O roçado
de seu Féli tá qui fais gosto...
Um
refrigério"
"- O mio lá
tá verde qui chega a s'tar azur..."
- Conversam
vizinhos e compadres.
Milho crescendo,
garfando,
esporando nas
defesas...
Milho
embandeirado.
Embalado pelo
vento.
"Do chão ao
pendão, 60 dias vão".
Passou aguaceiro,
pé-de-vento.
"- O milho
acamou..." "- Perdido?"... Nada...
Ele arriba com os
poderes de Deus..."
E arribou mesmo;
garboso, empertigado, vertical
No cenário vegetal
um engraçado
boneco de frangalhos
sobreleva,
vigilante.
Alegria verde dos
periquitos gritadores...
Bandos em
seqüência... Evolução...
Pouso...
retrocesso.
Manobras em
conjunto.
Desfeita formação.
Roedores
grazinando, se fartando,
foliando, vaiando
os ingênuos
espantalhos.
"Jesus e São
João
andaram de noite
passeando na lavoura
e botaram a bênção
no milho".
Fala assim gente
de roça e fala certo.
Pois não está lá
na taipa do rancho
o quadro deles, passeando
dentro dos trigais?
Analogias...
Coerências.
Milho embandeirado
bonecando em
gestação.
- Senhor!... Como
a roça cheira bem!
Flor de milho,
travessa e festiva.
Flor feminina,
esvoaçante, faceira.
Flor masculina -
lúbrica, desgraciosa.
Bonecas de milho
túrgidas,
negaceando, se
mostrando vaidosas.
Túnicas,
sobretúnicas...
saias,
sobre-saias...
Anáguas... camisas
verdes.
Cabelos verdes...
- Cabeleiras
soltas, lavadas, despenteadas...
- O milharal é
desfile de beleza vegetal.
Cabeleiras
vermelhas, bastas, onduladas.
Cabelos prateados,
verde-gaio.
Cabelos roxos,
lisos, encrespados.
Destrançados.
Cabelos compridos,
curtos,
queimados,
despenteados.
Xampu de chuvas...
Flagrâncias novas
no milharal.
- Senhor, como a
roça cheira bem!...
As bandeiras
altaneiras
vão se abrindo em
formação.
Pendões ao vento.
Extravasão da
libido vegetal.
procissão fálica,
pagã.
Um sentido
genésico domina o milharal.
Flor masculina
erótica, libidinosa,
polinizando,
fecundando
a florada
adolescente das bonecas:
Boneca de milho,
vestida de palha...
Sete cenários
defendem o grão
Gordas, esguias,
delgadas; alongadas
Cheias,
fecundadas.
Cabelos soltos
excitantes.
Vestidas de palha.
Sete cenários
defendem o grão,
Bonecas verdes,
vestidas de noiva
Afrodisíacas,
nupciais...
De permeio algumas
virgens loucas...
Descuidadas.
Desprovidas.
Espigas falhadas.
Fanadas. Macheadas.
Cabelos verdes.
Cabelos brancos.
Vermelho-amarelo-roxo,
requeimado...
E o pólen dos
pendões fertilizando...
Uma fragrância quente,
sexual
invade num espasmo
o milharal.
A boneca fecundada
vira espiga.
Amortece a grande
exaltação.
Já não importam as
verdes cabeleiras rebeladas
A espiga cheia
salta da haste.
O pendão fálico
vira ressecado, esmorecido,
No sagrado rito da
fecundação.
Tons maduros de
amarelo.
Tudo se volta para
a terra-mãe.
O tronco seco é um
suporte, agora,
onde o feijão
verde trança, enrama, enflora.
Montes de milho
novo, esquecidos,
marcando claros no
verde que domina a roça.
Bandeiras perdidas
na fartura das colheitas.
Bandeiras
largadas, restolhadas.
E os bandos de
passo-pretos galhofeiros
gritam e cantam na
respiga das palhadas.
"Não andeis a
respigar" - diz o preceito bíblico
O grão que cai é o
direito da terra.
A espiga perdida -
pertence às aves
que têm seus
ninhos e filhotes a cuidar.
Basta para ti,
lavrador,
o monte alto e a
tulha cheia.
Deixa a respiga
para os que não plantam nem colhem
- O pobrezinho que
passa.
- Os bichos da
terra e os pássaros do céu.
A ENXADA
Paráfrase de um
conto de
Bernardo Eli
Piano carece de
uma enxada.
Vai ao padre.
- Seu padre,
m’impresta uma enxada.
Tou carecendo
demais.
- Tinha. Tem mais
não.
Outro levou. Nem
sei quem.
- Seu vendeiro, me
vende uma enxada.
Fiado. Na colheita
lhe pago.
- Tem não. Sei bem
como são.
- Minha gente do
porco,
me prouve uma
enxada.
Caco que seja me
serve.
- Tem não.
- Aquela acolá,
pinchada,
m’impresta.
- Essa não, é do
minino bricá.
- Bão dia, patrão.
Vim buscá sua semente,
plantá.
- Leva,
preguiçoso, ladrão.
- Preguiçoso,
ladrão, num sou não.
Vou plantá seus
arrôis.
Inté amanhã tá
tudo plantado.
No rancho não tem
decumê.
Somente guarapa
fria de rapadura.
O bobo regogou,
rugido de fome.
Barriga vazia.
Piano, calado,
puxou manso
beira baixeiro.
Enrodilhou.
Sono canino
sonhou.
Espeto de carne
pingando na brasa.
Farinha bem cheia
de monte.
Panela de arrôis
gordurando.
Enxada! Tanto de
enxada
entrando no
rancho!
Enxada encabada,
sem cabo.
Libra e meia, duas
libras,
duas caras de
marca,
tinindo de novas,
lumiando,
relanciando, dadas
de graça
pra escolhê.
Piano acordou.
Manhã, nem.
Lua no alto parada
no céu.
Passarinho
dormindo,
o mato dormindo.
O saco nas costas,
caminho da roça,
patrão muquirana,
acredos!
E baixou, bicho no
chão
e furou
e plantou,
agachado,
arrastando.
Toco de pau. Toco
de braço.
Coragem de pobre,
seu medo de pobre
furando,
plantando
arrôis do patrão.
Prazo vencido.
Pua de pau furava.
Toco de dedo
sangrava,
plantava.
O dia alto,
alto ia o sol,
tinia de quente.
Passarinho
cantava.
Deus do céu
espiava.
Tudo, quasinho
acabado.
Roça furada,
plantada.
Um toco de pau,
um toco de braço,
cinco puas de
dedos,
feridos na carne.
Restinho de arrôis
no fundo do saco.
Eis chegam dois
ferrabrases.
Jagunços mandados,
armados.
Patrão mandou
vê...
Piano aprazível:
- Nhorsim. Arrôis
já plantado.
Coisinha de nada
sobrando no fundo
do saco
indoje plantado.
Os dois
ferrabrases:
- Patrão mandô
exemplá ocê.
Risca ligeiro, na
frente.
Pou!
um tiro estrondou.
Passarinho
assustou,
não cantou.
Atrás do toco
Piano acabou.
A roça plantada.
Semente de arrôis
tiquinho de nada
sobrado no fundo
do saco.
- Alvíssaras,
patrão!
Serviço bem feito.
Ninguém viu nada.
Ninguém falou
nada.
Sua roça plantada
com toco de pau.
Piano caído de
toco na mão.
Alvíssaras,
patrão!
Seu mando bem
feito.
Patrão,
sossegadão:
- Assim se pune
preguiçoso,
ladrão.
No meio da roça
Piano já frio.
Sangue coalhado no
chão.
Formigas em festas
fartando.
Restinho de arrôis
no fundo do pano,
passarinho
cantando.
Tempos passados...
na festa da vila.
Fogos queimando,
estourando,
bandinha tocando,
meninos brincando,
foliando.
Viram quando
velha aleijada,
amontada na
cacunda do bobo
esmolando.
Gritaram, vaiaram:
- Tomove! Tomove!
Da ponta do boteco
alguém reparou:
- A mó qui é gente
do Piano...
Pedras jogadas,
risadas.
Crianças correndo,
com medo.
Os abantesmas...
O bobo espantado
com a mãe na
cacunda
montada
virou pra trás.
Roeram sua fome,
miséria, aleijume
no fundo do mato.
Os compadres
proseando de
manso:
- E a roça de
arrôis,
saiu bem?
- Patrão colheu
tudo.
Num ficou
satisfeito,
mandou ferrabrais
no rancho do
desinfeliz
arrecadá algum
leitão magro,
galinha de pinto
que fosse,
ajutorá pagamento
restante.
Os home chegaro,
viro miséria:
o mudo,
a veia aleijada.
Metero deboche:
se era casado,
marido e muié.
O bobo infezou,
sabe cumo é, bobo
infezado.
Garrou porrete,
escorou,
sem midi fraqueza.
Os barzabu isso
quiria.
Dero piza.
Só num quebraro de
tudo
que a veia se
arrastando
pidia pru amô de
Deus
deixasse o fio,
sua valença.
Em antes,
derrubaram o
rancho,
dero fogo.
O tonto,
co’a mãe na
cacunda
ganharo o mato
e foro saí na toca
da Grotinha.
Lá se intocaro
co’s mulambo do
corpo.
- E cumo veve,
cumpadre?
- Deus dá.
Tendo água de bebê
e fogo pra
esquentá
isso pobre veve
muito.
Aleijado, cego e
bobo
é nação de gente
vivedô,
duença num entra
neles.
Diz que lá em
tempos,
tinha inté pexe
bagre na cacimba.
Alimparo tudo.
Num tem mais nem
inseto.
Passou lá o
Militão,
o veio raizero,
inté posô.
Deu conseio.
Espiritou o bobo
fazê tocaia
na grota da noite,
sentá porrete,
bicho miúdo com
sede,
cutia, preá,
cachorrinho do mato,
inté ratão.
Deu certo.
Muqueia, sapeca,
num passa fome
não.
Insinô a fazê
arapuca
pegá passarinho.
Deu.
- Agora, cumpadre,
tão contando
visage.
Lá na roça tem
vela acendida
na cabeça dos
toco,
diz qui o
sufragrante
tá fazendo
milagre.
Já viro, das veiz,
cavoucando,
gemendo.
Diz qui deu
carrera
em gente viva.
- E os quinhoado
levam sustento,
algum trapo de
cubri?
- Isso num
informo, cumpadre.
Mais o processo
qui o Juiz
abriu deu in nada.
E o delegado feiz
diligença,
num teve
testemunha,
diz que num foi
crime.
Morte de acauso,
os home caçava era
tatu.
Viro um rebolo no
chão,
dero tiro de
longe,
acertaro no
desinfiliz.
Aí, andaro na lei.
Levantaro o
cadave,
mandaro intregá
pra famia fazê
sepurtamento.
- E daí, cumpadre?
- Um crente
piedoso sidueu.
Levou carroça de
noite,
meteu o falecido
num saco,
tocou pra vila,
deixou no portão
do sumitero.
- Bamo chegando
pra frente, cumpadre.
Musca tá chamando
nós.
HUMILDADE
Senhor, fazei com
que eu aceite
minha pobreza tal
como sempre foi.
Que não sinta o
que não tenho.
Não lamente o que
podia ter
e se perdeu por
caminhos errados
e nunca mais
voltou.
Dai, Senhor, que
minha humildade
seja como a chuva
desejada
caindo mansa,
longa noite
escura,
numa terra sedenta
e num telhado
velho.
Que eu possa
agradecer a Vós,
minha cama
estreita,
minhas coisinhas
pobres,
minha casa de
chão,
pedras e tábuas
remontadas.
E ter sempre um
feixe de lenha
debaixo do meu
fogão de taipa,
e acender, eu
mesma,
o fogo alegre da
minha casa
na manhã de um
novo dia que começa.
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