terça-feira, 17 de novembro de 2015

Aureliano Lessa: "5 Poemas"

A CRIAÇÃO

Quando tudo era Deus, quando só Ele
Pejava o horror do espaço;
Deus disse: — é bom que surja o Universo
Recuemos um passo. —

Depois co’a destra contraindo o vácuo
Informe, e tenebroso,
Deixou cair o Universo inteiro
No espaço luminoso:

O silêncio expandiu-se; era um sussurro
De sublime harmonia;
Hino da vida, porque o sol girava
O primitivo dia.

Um chuveiro de mundos despenhou-se
Pelos desertos ares,
Como a saraiva, ou como os grãos de areia
Lá no fundo dos mares.

Rodava a terra verde, e a lua pálida,
Ia a noite após elas,
Mas caiu sobre as trevas, que fugiam,
Uma chuva de estrelas.

Os cometas correram desgrenhados,
Quais prófugos do inferno,
Levando aos astros dos confins da esfera
Os decretos do Eterno.

Do seu leito de abismos o oceano
Tenta em vão levantar-se;
Vem tombando, mugindo e espumando
Co’as terras abraçar-se.

Abre o condor as asas sobre nuvens,
Leviatã dos mares;
E os jubados leões, bramindo atroam
Os ecos dos palmares.

Vêm descendo dos montes, debruçados
Como enormes serpentes
Pelas campinas ‘té beber no oceano,
Os rios e as correntes.

Os pássaros cantando, a luz da aurora
Flóreos botões desata;
A selva freme, a viração murmura,
Sussurrando a cascata.

Imóvel nos umbrais da Eternidade,
‘Té li o tempo estava;
Mas após o primeiro movimento
Já veloz caminhava. 

Então milhões de mundos, e mais mundos,
Céus, e céus ao redor,
Todos em brado universal cantaram
Hosana ao Criador.

No meio da harmonia do Universo
Deus despertou o homem,
Lançando sobre a terra um véu de nuvens
Que ao seu olhar o somem.

Co’a destra incerta tateando os ares
O homem despertava…
Ébrio de vida, os membros apalpando
— Tu quem és? — perguntava.

Tentou falar; do peito a voz lhe brota,
E recua admirado;
As aves cantam, e o cantar das aves
Escuta extasiado.

Quis caminhar, correu pela planície,
E galgou as colinas:
Derrama em torno, ao longe, o olhar vago,
Vê montes e campinas.

Os ecos escutou por muito tempo,
Encruzados os braços,
E de lá vem descendo pensativo
Com vagarosos passos.

Debalde as vistas erra pelos troncos
Da numerosa selva;
Em vão percorre as grutas, fatigado
Assenta-se na relva.

Pensa, medita, e erguendo-se mais forte
De novo a selva explora;
Volve, revolve tudo e o vazio
Do coração deplora.

Súbito estaca palpitante o peito,
E co abraço aberto...
Estão seus olhos devorando a cena,
Que descortina perto...

Na borda de uma fonte cristalina
A mulher se mirava;
Rubra de pejo, as graças inda nuas
Co’as brancas mãos tapava.

Ria-se à sua imagem; para ela
Os braços estendia…
Mas vendo a sombra abrir-lhe um terno abraço
Recuava e sorria.

Ele exclama: eras tu! E ela fugia
Co’as faces em rubor...
Não pôde prosseguir, caiu, caíram,
E levantou-se Amor!"


 
O SOL

Ele é o rei da luz, entronizado
Na cúpula dos céus:
Talvez anjo revel incendiado
Pelo sopro de Deus.

No palácio do tempo ele calcula
Do movimento a idade;
Fiel ministro os séculos açula
Ao mar da eternidade.

Povos e mundos a seus pés baqueiam
Do tempo na voragem;
Mas seus louros cabelos não branqueiam,
São do infinito a imagem.

Que olho d'homem jamais fitar pudera
essa fronte de Rei,
Se até seus mandos só de longe impera
Dos cometas a grei?

Astro, tu és a imagem da virtude:
Tranquila na desgraça,
Que espanca as trevas do caminho rude
Por onde o justo passa.

Em vão sacode o mar a espumea clina
Para manchar-te, ó Sol;
Em vão peneira o céu turvo neblina
Em pálido lençol.

Em vão! Sorris do mar iníqua ira;
A nuvem não te encobre;
Ri da inveja a virtude; ela transpira
Dos andrajos do pobre.

Soçobra o mar erguidos hemisférios,
Tomba o rijo penedo;
O anjo da destruição varre os impérios,
Mas o sol está quedo.

É a urna, que a luz eterna espelha!
E do raio, que encerra,
Descosido em milhões, cada centelha
Verte um dia na terra.

Quando entre as nuvens hibernais reflete
Seus cálidos fulgores,
Verdeja o prado, a neve se derrete,
Desabrocham as flores.

Aquece o órfão nu; ele é a imagem
Da eterna providência;
Farol que indica o porto da viagem
Nos mares da existência.

Quem pode olhar-te, ó sol, sem ter desejos
De ler-te a augusta sina?
Quem pode lê-la sem visar lampejes
De uma glória divina?

Quando eleves a face soberana
Entre as nuvens da aurora,
Sorri-se a terra, e a família indiana
Prosternada te adora.

E quantos mundos, cuja vida o brilho
De um teu olhar produz!
E quantos giram em perene trilho
Em torno à tua luz!

Ah! que, se Deus dos homens esquecido,
Te fechasse na mão,
Fora um túmulo o orbe, submergido
Em gelo e escuridão...

E quem sabe se um túmulo inflamado
Pelo fogo do inferno,
E das almas dos réprobos fechado
Por cadeado eterno!

Quem sabe? Tu és como a consciência
Ardente do perversor
Ela não dorme, e abrasa a existência,
-Tu ardes no Universo!

Oh! tu, letra de fogo a mais brilhante
Do poema celeste!
Fonte do movimento, e que um instante
Inda não te moveste!

Um dia, quando o Eterno alçando o braço
Num pavoroso brado"
- BASTA, disser, estalarás no espaço
Extinto, aniquilado!

O caos há de sorver-te, o seio abrindo
Com hórrido fragor...
Depois... silêncio! e após hosana infindo
Dos anjos ao Senhor...

Olho do céu, insana consciência
De toda a criação,
Quem és, brilhante enigma? Ó Providência.
Quanto é fraca a razão!


SAUDADE

Dos versos teus entre as flores,
Deixando as de alegres cores,
Colhi a que exprime as dores
De um saudoso coração,
Flor que brota em soledade,
Que diz - amor e amizade -
Que o nome tem de - saudade –
Filha da separação.

Eu tenho essa flor querida
Dentro do peito escondida,
Nela vejo refletida
Da ausência o cruel rigor;
Pois é urna voz amante
Que me fala a cada instante,
De um coração que distante
Palpita também de dor.


AMARGURA

Oh! não me pergunteis por que motivo
Pende-me a fronte ao peso da amargura,
Quando um suspiro trêmulo, aflitivo,
Sobre os meus lábios pálidos murmura.

Quando ao fundo do lago a pedra desce,
Globo de espuma à flor do lago estala:
Assim é o suspiro: ele aparece,
Porque no coração cai dor que o rala.

Do lago a face lisa espelha flores,
No fundo a vista não divisa o ceno:
Assim dentro do peito escondo as dores,
Mandando aos lábios um sorriso ameno.

Mas quando uma aflição acerba e crua
Mais que um rochedo o coração me oprime,
Quando nas chamas do sofrer estua
Como no incêndio o ressequido vime;

Não choro, não! - De angústias flagelado
Um queixume sequer eu não profiro;
Descai-me a fronte, penso no meti fado...
Oh! não me pergunteis por que suspiro!...



TRISTEZA

Dizes que meu amor te encanta a vida,
Teus alvos dias, teus noturnos sonhos;
Mas tens a face de prazer tingida?
Teus lábios são risonhos!

Não podem florescer o amor e o riso
Nos mesmos lábios: da paixão o fogo
Mata as rosas do rosto, de improviso.
Gera a tristeza logo.

Olha: minh’alma é pálida e tristonha,
Minha fronte é nublada, e sempre aflita;
Entretanto uma imagem bem risonhas
Dentro em minh'alma habita?d

Mas esse ermo sorrir, que tenho n'alma,
Não é como da aurora o riso ardente;
É o sorrir da estrela em noite calma,
Brilhando docemente.

Ah! se me queres a teus pés prostrado,
Troca o riso por pálida beleza:
Mulher! torna-te o anjo que hei sonhado,
Um anjo de tristeza!

Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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