A CRIAÇÃO
Quando tudo era Deus,
quando só Ele
Pejava o horror do
espaço;
Deus disse: — é bom
que surja o Universo
Recuemos um passo. —
Depois co’a destra
contraindo o vácuo
Informe, e tenebroso,
Deixou cair o
Universo inteiro
No espaço luminoso:
O silêncio
expandiu-se; era um sussurro
De sublime harmonia;
Hino da vida, porque
o sol girava
O primitivo dia.
Um chuveiro de mundos
despenhou-se
Pelos desertos ares,
Como a saraiva, ou
como os grãos de areia
Lá no fundo dos
mares.
Rodava a terra verde,
e a lua pálida,
Ia a noite após elas,
Mas caiu sobre as
trevas, que fugiam,
Uma chuva de
estrelas.
Os cometas correram
desgrenhados,
Quais prófugos do
inferno,
Levando aos astros
dos confins da esfera
Os decretos do
Eterno.
Do seu leito de
abismos o oceano
Tenta em vão
levantar-se;
Vem tombando, mugindo
e espumando
Co’as terras
abraçar-se.
Abre o condor as asas
sobre nuvens,
Leviatã dos mares;
E os jubados leões,
bramindo atroam
Os ecos dos palmares.
Vêm descendo dos
montes, debruçados
Como enormes
serpentes
Pelas campinas ‘té
beber no oceano,
Os rios e as
correntes.
Os pássaros cantando,
a luz da aurora
Flóreos botões
desata;
A selva freme, a
viração murmura,
Sussurrando a
cascata.
Imóvel nos umbrais da
Eternidade,
‘Té li o tempo
estava;
Mas após o primeiro
movimento
Já veloz caminhava.
Então milhões de
mundos, e mais mundos,
Céus, e céus ao
redor,
Todos em brado
universal cantaram
Hosana ao Criador.
No meio da harmonia
do Universo
Deus despertou o
homem,
Lançando sobre a
terra um véu de nuvens
Que ao seu olhar o
somem.
Co’a destra incerta
tateando os ares
O homem despertava…
Ébrio de vida, os
membros apalpando
— Tu quem és? —
perguntava.
Tentou falar; do
peito a voz lhe brota,
E recua admirado;
As aves cantam, e o
cantar das aves
Escuta extasiado.
Quis caminhar, correu
pela planície,
E galgou as colinas:
Derrama em torno, ao
longe, o olhar vago,
Vê montes e campinas.
Os ecos escutou por
muito tempo,
Encruzados os braços,
E de lá vem descendo
pensativo
Com vagarosos passos.
Debalde as vistas
erra pelos troncos
Da numerosa selva;
Em vão percorre as
grutas, fatigado
Assenta-se na relva.
Pensa, medita, e
erguendo-se mais forte
De novo a selva
explora;
Volve, revolve tudo e
o vazio
Do coração deplora.
Súbito estaca
palpitante o peito,
E co abraço aberto...
Estão seus olhos
devorando a cena,
Que descortina
perto...
Na borda de uma fonte
cristalina
A mulher se mirava;
Rubra de pejo, as
graças inda nuas
Co’as brancas mãos
tapava.
Ria-se à sua imagem;
para ela
Os braços estendia…
Mas vendo a sombra
abrir-lhe um terno abraço
Recuava e sorria.
Ele exclama: eras tu!
E ela fugia
Co’as faces em
rubor...
Não pôde prosseguir,
caiu, caíram,
E levantou-se
Amor!"
O SOL
Ele é o rei da luz,
entronizado
Na cúpula dos céus:
Talvez anjo revel
incendiado
Pelo sopro de Deus.
No palácio do tempo
ele calcula
Do movimento a idade;
Fiel ministro os
séculos açula
Ao mar da eternidade.
Povos e mundos a seus
pés baqueiam
Do tempo na voragem;
Mas seus louros
cabelos não branqueiam,
São do infinito a
imagem.
Que olho d'homem
jamais fitar pudera
essa fronte de Rei,
Se até seus mandos só
de longe impera
Dos cometas a grei?
Astro, tu és a imagem
da virtude:
Tranquila na
desgraça,
Que espanca as trevas
do caminho rude
Por onde o justo
passa.
Em vão sacode o mar a
espumea clina
Para manchar-te, ó
Sol;
Em vão peneira o céu
turvo neblina
Em pálido lençol.
Em vão! Sorris do mar
iníqua ira;
A nuvem não te
encobre;
Ri da inveja a
virtude; ela transpira
Dos andrajos do
pobre.
Soçobra o mar
erguidos hemisférios,
Tomba o rijo penedo;
O anjo da destruição
varre os impérios,
Mas o sol está quedo.
É a urna, que a luz
eterna espelha!
E do raio, que
encerra,
Descosido em milhões,
cada centelha
Verte um dia na
terra.
Quando entre as
nuvens hibernais reflete
Seus cálidos
fulgores,
Verdeja o prado, a
neve se derrete,
Desabrocham as
flores.
Aquece o órfão nu;
ele é a imagem
Da eterna
providência;
Farol que indica o
porto da viagem
Nos mares da
existência.
Quem pode olhar-te, ó
sol, sem ter desejos
De ler-te a augusta
sina?
Quem pode lê-la sem
visar lampejes
De uma glória divina?
Quando eleves a face
soberana
Entre as nuvens da
aurora,
Sorri-se a terra, e a
família indiana
Prosternada te adora.
E quantos mundos,
cuja vida o brilho
De um teu olhar
produz!
E quantos giram em
perene trilho
Em torno à tua luz!
Ah! que, se Deus dos
homens esquecido,
Te fechasse na mão,
Fora um túmulo o
orbe, submergido
Em gelo e
escuridão...
E quem sabe se um
túmulo inflamado
Pelo fogo do inferno,
E das almas dos
réprobos fechado
Por cadeado eterno!
Quem sabe? Tu és como
a consciência
Ardente do perversor
Ela não dorme, e
abrasa a existência,
-Tu ardes no
Universo!
Oh! tu, letra de fogo
a mais brilhante
Do poema celeste!
Fonte do movimento, e
que um instante
Inda não te moveste!
Um dia, quando o
Eterno alçando o braço
Num pavoroso
brado"
- BASTA, disser,
estalarás no espaço
Extinto, aniquilado!
O caos há de
sorver-te, o seio abrindo
Com hórrido fragor...
Depois... silêncio! e
após hosana infindo
Dos anjos ao
Senhor...
Olho do céu, insana
consciência
De toda a criação,
Quem és, brilhante
enigma? Ó Providência.
Quanto é fraca a
razão!
SAUDADE
Dos versos teus entre
as flores,
Deixando as de alegres cores,
Colhi a que exprime as dores
De um saudoso coração,
Flor que brota em soledade,
Que diz - amor e amizade -
Que o nome tem de - saudade –
Deixando as de alegres cores,
Colhi a que exprime as dores
De um saudoso coração,
Flor que brota em soledade,
Que diz - amor e amizade -
Que o nome tem de - saudade –
Filha da separação.
Eu tenho essa flor
querida
Dentro do peito
escondida,
Nela vejo refletida
Da ausência o cruel
rigor;
Pois é urna voz
amante
Que me fala a cada
instante,
De um coração que
distante
Palpita também de
dor.
AMARGURA
Oh! não me pergunteis
por que motivo
Pende-me a fronte ao
peso da amargura,
Quando um suspiro
trêmulo, aflitivo,
Sobre os meus lábios
pálidos murmura.
Quando ao fundo do
lago a pedra desce,
Globo de espuma à
flor do lago estala:
Assim é o suspiro:
ele aparece,
Porque no coração cai
dor que o rala.
Do lago a face lisa
espelha flores,
No fundo a vista não
divisa o ceno:
Assim dentro do peito
escondo as dores,
Mandando aos lábios
um sorriso ameno.
Mas quando uma
aflição acerba e crua
Mais que um rochedo o
coração me oprime,
Quando nas chamas do
sofrer estua
Como no incêndio o
ressequido vime;
Não choro, não! - De
angústias flagelado
Um queixume sequer eu
não profiro;
Descai-me a fronte,
penso no meti fado...
Oh! não me pergunteis
por que suspiro!...
TRISTEZA
Dizes que meu amor te
encanta a vida,
Teus alvos dias, teus
noturnos sonhos;
Mas tens a face de
prazer tingida?
Teus lábios são
risonhos!
Não podem florescer o
amor e o riso
Nos mesmos lábios: da
paixão o fogo
Mata as rosas do
rosto, de improviso.
Gera a tristeza logo.
Olha: minh’alma é
pálida e tristonha,
Minha fronte é
nublada, e sempre aflita;
Entretanto uma imagem
bem risonhas
Dentro em minh'alma
habita?d
Mas esse ermo sorrir,
que tenho n'alma,
Não é como da aurora
o riso ardente;
É o sorrir da estrela
em noite calma,
Brilhando docemente.
Ah! se me queres a
teus pés prostrado,
Troca o riso por
pálida beleza:
Mulher! torna-te o
anjo que hei sonhado,
Um anjo de tristeza!
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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