GAROA
Que pó de arroz
espiritual empoa
o halo dourado e
móvel destas urnas,
destes lampiões
nas solidões
noturnas?
Que cabeleira
prateada Voa
e se enrosca nas
árvores despidas,
crucificadas,
pelas avenidas?
Que agudo lápis,
manejado à-toa,
risca de branco a
descorada tela
que por moldura
tem minha janela?
Que som suave é
este que nem soa,
mão de sonho que
bate na vidraça,
como quem quer
entrar e depois passa?
Que multidão meu
silêncio povoa?
Que véu de noiva
minha face beija
e que umidade meu
olhar mareja?
- A garoa...
OS VAGABUNDOS
Perdidos pela
estepe enegrecida e rasa,
Nessa planície
igual que a distância arredonda,
Que o inverno
enregela e que o verão abrasa,
Dos vagabundos
passa a maltrapilha ronda.
As miragens do céu
são como pétrea onda...
E o vento
forasteiro essa visão arrasa,
Quebrando torreões
de arquitetura hedionda,
Catedrais de
marfim e florestas de brasa!
Eles passam
cantando uma canção dolente,
E vão deixando
atrás, por sobre a terra ardente,
Dos seus inchados
pés os passageiros rastros...
E quando a noite
desce aos desertos medonhos,
Deitam-se sobre a
terra e sonham lindos sonhos.
Na solidão da
estepe e na mudez dos astros!
CARAS SUJAS
Ao longo destas
avenidas,
Recordação de
velhas lendas,
Cantam as chácaras
floridas
Com suas líricas
vivendas.
Lá dentro, há
risos, jogos, danças,
Crastinas, módulas
fanfarras,
Um pandemônio de
crianças,
Um zagarreio de
cigarras.
Fora, penduram-se
na grade
Os pobre, como
gafanhotos;
Têm dos outros a
mesma idade,
Mas estão pálidos
e rotos.
Chora a injustiça
da cidade
Na cara suja dos
garotos.
ANHANGABAÚ
No Piques, vagando
à-toa,
é raro quem não
pressinta
uma toada
indistinta
que, sob as
pedras, ressoa.
Conta moedas,
tilinta,
como refrão de uma
loa,
a fonte exilada e
boa,
há muitos anos
extinta.
Sua alma que ali
revoa,
de céus e de ares
faminta,
repete a cada
pessoa
uma novela
sucinta:
noturnos, capas,
garoa,
1830...
CUBATÃO
Minha terra não
passa de uma estrada,
um bambual que
rumoreja ao vento;
sol de fogo em
areia prateada,
deslumbramento e
mais deslumbramento.
O chafariz em
forma de carranca,
confidente das
moças do arrabalde,
despeja a sua
gargalhada branca
no bojo de latão
de um velho balde,
Nas portas,
parasitas cor de sangue,
um mastro esguio
em cada casinhola;
gente tostada que
desfolha o mangue,
crianças pálidas
que vêm da escola.
Ao fundo, a Serra.
Pinceladas frouxas,
de ouro e
tristeza, em fundo azul. Aquelas
manchas que são
jacatirões — as roxas,
e aleluias — as
manchas amarelas.
A minha terra,
quando a vejo, escampa,
cheia de sol e de
visões amigas,
lembra-me o cromo
que enfeitava a tampa
de uma caixa de
goma, das antigas...
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