ROSA
Rosa colhia
sozinha
Lindas rosas no
jardim
E nas faces também
tinha
Duas rosas de
carmim.
Cheguei-me e
disse-lhe: Rosa
Qual dessas rosas
me dás?
As da face
primorosa
Ou essas que
unindo estás?...
Ela fitou-me
sorrindo,
Ainda mais
enrubesceu;
Depois, ligeira
fugindo,
De longe me
respondeu:
"Não dou-te
as rosas das faces
Nem as que tenho
na mão:
Daria, se me
estimasses,
As rosas do
coração."
NA FAZENDA
Dorme a fazenda.
Uniformes,
Com seu inclinado
teto,
Têm as senzalas o
aspecto
De um bando d´aves
enormes.
Os cães, no pátio
encoberto,
Repousam de orelha
erguida;
São como oásis de
vida
Da escuridão no
deserto.
De vagos tons uma
enfiada
Com o torpor luta
e vence-o;
É no burel do
silêncio
Franja sonora
bordada.
Às vezes, da porta
estreita
Sai um chorar de
criança,
Chamando a mãe que
descansa
Morta do afã da
colheita.
Talvez no infantil
assombro
Já se lhe antolhe
mais tarde:
— O eito enquanto
o sol arde,
E o peso da enxada
ao ombro.
Os cães
levantam-se a meio,
Geme a criança um
momento
E, a pouco e
pouco, em lamento
Sucumbe o isolado
anseio.
Longe, na sombra
perdido,
Há no perfil de um
oiteiro
Algo de estranho
guerreiro
Da cota de armas
vestido.
Ao lado reluz a
linha
De extensa e
alvacenta estrada,
Como a lâmina da
espada
Que lhe saltou da
bainha.
E o disco da lua
nova
No lar azul das
esferas,
De nuvens que
lembram feras,
Como um réptil sai
da cova.
Ondula no espaço o
fumo
De algum incêndio
invisível;
Chora a criança,
impassível
Prossegue a noite
em seu rumo.
A CONFIANÇA
Sem ti, a mente se
afunda,
Minada em seus
alicerces:
Feliz daquela em
que exerces
Tua ascendência
fecunda.
De quem te adota
por guia
Quão segura a
diretriz!
Sim! Feliz o que
confia,
Feliz, três vezes
feliz!
Mas, como o vidro,
és frangível.
Não raro, a um
gesto, a uma frase,
De chofre
vai-se-te a base;
Cais, e, depois, é
terrível.
O vidro quebrado
corta
A mão que incauta
o apertou...
Oh! como a
confiança morta,
Coração, te
retalhou!
Tudo falácia e quimera...
— Tem talvez sorte
bendita
Esse que em nada
acredita,
Nada esperou, nada
espera.
À MINHA ESPOSA
Sim! Tornou-se-me
leve a cruz que eu vinha
A carregar por
íngreme ladeira,
Graças ao teu
auxílio, ó companheira,
Cireneu de meu
fato — esposa minha.
Sobre a data
gentil de nosso enlace
Já dos anos avulta
a cinza fria;
Mas, desde então,
não se passou um dia,
Sem que eu aquele
dia abençoasse.
Meu ser sem ti era
incompleto. Agora
Deparas-lhe ao
viver força e motivo:
— És o porto de
paz definitivo,
Onde o batel de
meu desejo — ancora.
Nos sorrisos e
lágrimas de lacta
Tão gêmeas sempre
as almas nos têm sido,
Que não há numa o
mínimo vagido
Que noutra logo
após não repercuta.
Em derredor do
nosso afeto puro,
Que o lar nos
enche de calor e brilhos,
Gira a constelação
de nossos filhos,
Iluminando os
limbos do futuro.
Sim! sou feliz!
feliz se num degredo,
Onde o amanhã só
de incertezas traja,
Dizer-se possa que
venturas haja...
Sim... tão feliz
que às vezes tenho medo.
Como a dos
corações, em nosso ninho,
Conformidade
estreita e harmoniosa,
Nem nas pétalas
iguais da mesma rosa,
Nem nas asas irmãs
de um passarinho.
Anjo meu tutelar,
mimo que abriga
Reta razão,
espírito valente,
Sócia fiel, segura
confidente,
Ó minha santa, ó
minha doce amiga.
Meu talismã, meu
dom precioso e raro,
Minha estrela
polar, minha riqueza,
Meu sonho, minha
flor, minha princesa,
Minha fé, meu
orgulho, meu amparo,
Quem me dera que
vínculo tão forte
As vidas nos
unisse a vida inteira,
Uma noutra a
embeber de tal maneira
Que as desatar não
conseguisse a morte!
As nossas almas
n’amplidão etérea,
Do pesadelo
terrenal despertas,
Hão de oscular-se
bem melhor, libertas
Das subalternas
formas da matéria.
E, na vida de
além, que continua
Eternidade afora,
sem limite,
Quero-as tão
juntas que até Deus hesite
Em dizer qual a
minha, qual a tua.
A INDIFERENÇA
Ficar a tudo
indiferente,
Pensar que, nunca
inteligíveis,
Incertas são, e
discutíveis,
Todas as coisas,
igualmente;
A ser nenhum
sentir apego;
Nada ter, nada
esperar,
Sem que este
humor, este sossego,
Sucesso algum
possa alterar;
Nem na razão, nem
nos sentidos
Ter fé jamais, mas
por estudo
Em duvidar, sempre,
de tudo:
— Falas, sorrisos
ou gemidos;
Não ter o mínimo
conceito
Seja do bem, seja
do mal;
Fazer, com ânimo
perfeito,
Renúncia eterna e
universal;
Nem ver no túmulo
um asilo,
Mas bem iguais
Morte e Existência
Considerar — sem
preferência,
Pouco importando,
isto ou aquilo
— Eis como expõe o
seu programa
Um grande espírito
... Mas quem,
Representando o
humano drama,
Conseguirá tanto
desdém?
Indiferença, o
nosso nível
Teu reino olímpico
ultrapassa,
Divino dom,
suprema graça,
Chamo-te, em vão
... És impossível!
Esse que sabe com
tal plano
Levar na terra os
dias seus,
Melhor que o
déspota romano,
Deve sentir
tornar-se Deus.
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