QUITE COM A
VIDA
Sentiu-se
velha pela primeira vez aos 28 anos de idade. Até então não alimentara qualquer
preocupação com o tempo, nem havia formulado nenhuma reflexão filosófica sobre
a velhice. Agora, porém, aquelas duas linhas de expressão bem no meio da testa,
entre as sobrancelhas, vinham deitar abaixo suas ilusões de juventude,
brotando-lhe na alma um sentimento de tristeza e frustração, como se apenas ali
descobrisse que a vida era breve.
O
espelho, que até então se lhe mostrara indiferente, passou a exercer sobre ela
uma atração quase molecular, como na química. Mirava-o repetidas vezes ao dia,
não porque se tornara repentinamente vaidosa, mas para ter certeza de que suas
feições preservavam os traços da primeira mocidade.
Em vista
disso, passou a observar perscrutadoramente outras mulheres, a fim de se
comparar com elas, a ver se os vestígios da idade lhes eram mais expressivos, e
se deliciava quando as viam mais afetadas pelas intempéries do tempo.
A
melancólica constatação de que envelhecia acrescentou-lhe ainda novos hábitos,
os quais, com o passar dos anos, converteram-se em verdadeiras manias e
obsessivos vícios. Tornou-se comum, por exemplo, a peregrinação a
dermatologistas e esteticistas, que lhes prescreviam cremes e lhes apresentavam
as mais variadas dicas de como manter a pele saudável e evitar o aparecimento
das rugas.
Aos
trinta e cinco anos já havia se utilizado de tudo, das substâncias antioxidantes
aos ácidos glicólicos. Experimentou ainda o lifting,
o peeling, a vacina anti-idade, os
esfoliantes, as hidratações, a máscara de ouro, o botox, entre outros inúmeros
tratamentos disponíveis no mercado, os quais, se não surtiam resultados
práticos, ao menos originavam um efeito psicológico confortador, que lhe fazia
sentir mais jovem e feliz.
Mas o
tempo pareceu correr mais rapidamente do que costumava, e com ele seguiu-se a
angustiosa desilusão da Sibila. Aos cinquenta anos apresentava as características
típicas da idade, não obstante todos os cuidados que tivera para camuflá-las.
Sozinha, porém, diante do espelho, transbordava-se de uma amargura íntima e
resignada, que a fazia desesperar-se. Não era propriamente o medo da velhice,
mas de sua inevitável consequência.
Com o
decorrer da idade tornou-se amargurada e infeliz, permanecendo a maior parte do
tempo enclausurada dentro de casa, onde se consumia em angústias e tristezas.
Assim esteve longo tempo, introspectiva e melancólica.
Um dia,
porém, surgiu-lhe de súbito um
inexplicável interesse pelas coisas
simples da vida. Foi quando desistiu dos cosméticos e dos demais subterfúgios
oferecidos pela indústria da beleza. Os cabelos, outrora tingidos, agora se
viam grisalhos e longamente caídos sobre os ombros. As roupas passaram a
refletir o desapego pela ostentação e pelo luxo. O rosto transparecia uma
placidez natural, sem qualquer disfarce. Doravante tudo nela era simplicidade e
desprendimento.
E foi
assim, sem extravagâncias, sem prestígio
público e sem grandes remorsos, que chegou aos oitenta anos de idade. Sentia-se
quite com a vida, que considerava seu único e verdadeiro legado.
Maio/ 2015.
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