A MALUCA D´A DOS-CORVOS
A primeira vez que a vi, passava eu a cavalo para uma caçada na serra. Era de manhã cedo - uma admirável manhã de Janeiro. A única rua d' A dos Corvos trepava pela encosta íngreme até à igrejita, que, lá no alto, toda caiada, recortada no cobalto lavado do céu, com a sua cúpula redonda e os seus eirados chatos, tinha uns ares de marabout árabe.
Iluminada
horizontalmente pelo sol, que se ia apenas levantando, a aldeia parecia
acordar, ainda inteiriçada e trêmula do frio da noite. A erva alvejava, coberta
de geada; e as estrumeiras, revolvidas pelos porcos, fumavam na friagem úmida.
Algumas mulheres abriam as portas, varriam a rua, em saias de baixo de baetilha
amarela, os lenços vermelhos atados nos cabelos. No ar fino, de uma
transparência excessiva, os tons destacavam-se nítidos, um pouco crus, sem
esbatidos, como postos à primeira em um estudo do natural. E os sons: o martelo
do ferrador no alpendre ao cimo da rua, as vozes alegres dos rapazes jogando a
pata-galharda, o canto conquistador dos galos nas cevadas dos farrejais,
ouviam-se ao longe, nítidos também, numa vibração clara e seca.
À
superfície de toda a cena havia aquela tranquilidade rústica, que tantas vezes
provoca a reflexão banal e falsa: - Que bom seria viver aqui, longe dos
cuidados do mundo!
Ao
voltar a esquina do muro de um quintal, vi na estrada uma mulher rota,
descalça, muito miserável; mas conservando na figura e no andar uns restos de
mocidade e de elegância. Não levava chapéu, nem lenço na cabeça; e os seus
cabelos pretos, fartos e crespos, cobriam-lhe toda a testa, coroando-a de uma
massa escura e singular, que me recordou a Salomé de Regnault.
Quando
ouviu junto de si o ruído dos cavalos, voltou-se de súbito; e, afastando da
cara as madeixas soltas com um gesto violento, fitou em mim os olhos grandes,
luminosos, numa expressão intensa e dolorosa de interrogação. Foi apenas um
clarão instantâneo. A luz apagou-se, e, baixando a cabeça com um sorriso
idiota, apertou contra o peito, carinhosamente, um embrulho informe de trapos,
como se acalentasse uma criança. Nisto, os rapazitos, que tinham descido a rua
para admirarem de perto os cavalos, viram-na e começaram a gritar:
-
Olha a maluca! olha a maluca!
Ela
então, assustada, conchegou mais ao peito o embrulho de trapos, como se o
quisesse livrar de algum perigo, e, deitando a correr, escondeu-se atrás dos
muros dos quintais.
Fez-me
impressão o olhar daquela desgraçada, e a primeira vez que me encontrei com D.
Jesus Serrano, perguntei-lhe se conhecia a rapariga doida d’A dos Corvos.
D.
Jesus era um tipo originalíssimo - um liberal espanhol. Condenado à morte pelo
governo de Narvaez, que havia muitos anos se estabelecera ali na raia, onde
vivia da sua clínica. Distinto médico, formado em Salamanca, diziam uns;
simples curandeiro, afirmavam outros. Nunca se soube bem ao certo que cartas
tinha; nem creio que as autoridades averiguassem este ponto com muito zelo. E
fizeram bem - ele curava e matava como qualquer outro. Médico ou curandeiro era
um excelente homem, sempre pronto a acudir aos pobres, sempre a cavalo pelas
estradas ao sol e à chuva, com um casacão de peles, muito roçado, no inverno, e
uma extraordinária sobrecasaca de chita de ramagens no verão. A quatro ou cinco
léguas em roda conhecia toda a gente, nas mais pequenas aldeias, nos mais
afastados montes e malhadas; e quando lhe perguntei pela doida, respondeu-me
logo no seu português especial:
-
Ah! Mariana, la pobre. Si a conheço. E qué bonita foi!... qué triste caso!
E
contou-me a história da rapariga - uma história velha, sabida, de uma
simplicidade extrema.
A
Mariana era filha de uma pobre mulher d’A dos Corvos, que ficara viúva, sendo
ela ainda criança. A mãe trabalhava fora, enquanto a pequena brincava solta
pela rua e pelos campos, crescendo ao ar livre, trepando às azinheiras,
buscando bolotas pelos montados, e medronhos ou murtinhos pelos matos. Depois,
já crescidita, começou também a ir ao trabalho; e aos dezoito anos tinha-se
feito a mais graciosa rapariga da aldeia, e de todos aqueles contornos. Alta,
delgada, direita e flexível como um vime, era um gosto vê-la voltar do
trabalho, andando na estrada num passo que poucos homens acompanhavam, ou vê-la
descer, correndo com as outras, uma encosta fragosa, cortando o esteval denso,
saltando de pedra em pedra com a segurança de uma cerva. Mas o seu encanto
estava sobretudo nos admiráveis olhos pretos, e no olhar fundo, meigo, que se encontrava
a custo, abrigando-se tímido e arisco sob as longas pestanas negras.
De
ser muito bonita e um tanto esquiva, não lhe resultava grande popularidade
entre as outras raparigas; mas era muito procurada pelas manajeiras, como uma
boa trabalhadora, sempre pronta ao sol e ao frio, valente no apanho, nas
mondas, nas descardas, nas ceifas... nas ceifas alentejanas! As ceifas ardentes
de Junho, nos cevadais altos, pelas quebradas abafadiças dos montados, quando
os levantes abrasam, quando o calor se vê - positivamente se vê - dançando no
ar fremente, quando à hora do meio dia tudo se cala, mesmo o ruído estridente
das cigarras, e só se ouve, ao longe, o canto triste das rolas nas grandes
azinheiras copadas dos barrancos. E aí, de foice na mão, a cinta flexível
curvada, a Mariana podia pôr-se ao lado de qualquer trabalhador desembaraçado.
A
mãe e a filha viviam bem. Duas mulheres sós, sadias, trabalhando no campo, não
passam privações. Os ganhos da azeitona até chegavam largamente para as
elegâncias da Mariana. E que bem lhe ia qualquer coisa! Como os olhos pretos
brilhavam sob a aba curta do chapéu novo de Braga! Como um pobre lencinho de
chita encarnada dava valor ao tom quente da pele morena; aos beiços vermelhos,
sombreados por um buço tenuíssimo, deixando entrever, nos raros sorrisos, os
dentes pequeninos!
Veio
o ano da novidade grande de azeitona - aquele ano em que os lagares moeram até
ao Santo Antônio - e a Mariana foi com a mãe para o rancho da Sovereira-
-formosa, a maior herdade do concelho.
O
filho do lavrador e proprietário da Sovereira, o João, um rapaz de vinte e três
ou vinte e quatro anos, namorou-se da nova azeitoneira. Nunca o apanho foi tão
bem vigiado como naquele ano. De manhã à noite o João acompanhava o rancho,
fumando cigarros, encostado às oliveiras, com a rédea do cavalo castanho
passada no braço. Quando ao recolher ele dava relação exata dos sacos, que
tinham entrado no lagar, o pai ficava satisfeito de o ver assíduo no trabalho,
ativo, esquecido da espingarda e dos galgos; mas no rancho a corte do João à
rapariga d’A dos Corvos era o assunto de todas as conversas.
Não
lhe era fácil falar à Mariana. Ela, lisonjeada mas tímida, evitava as ocasiões;
e sessenta pares de olhos femininos observavam-lhe os manejos com curiosidade,
não talvez mais intensa, mas de certo mais grosseiramente indiscreta do que
aquela com que nas salas se observam manejos muito semelhantes. Tinha de
esperar horas para lhe dirigir a furto duas palavras quando ela ia levar
azeitona aos carros - dias para a encontrar só no caminho da fonte, quando lhe
chegava a vez de ser aguadeira. E então a Mariana apressava o passo, com os
olhos baixos, fugindo às declarações, rendida já mas arisca, batendo-lhe o
coração de medo, de vergonha, não sabia de quê, com o bater precipitado e
violento de um coração de passarito apertado na mão.
Um
dia esperou-a na volta da fonte, num vale arredado do olival; e aí deteve-a
quase à força, dizendo-lhe tudo, roubando-lhe um beijo, enquanto ela, os olhos
cravados no chão, as faces acesas, passando nos dedos a bainha do avental de
batido, deixava escapar uma confissão e uma promessa.
Quando
terminou a colheita da azeitona, o cavalo do João aprendeu bem depressa o
caminho d’A dos Gorvos. A rapariga fugia de casa, e ia encontrar o namorado
fora da aldeia, no vale, atrás dos silvados do barranco.
Não
sei se ele lhe falou do futuro, se lhe prometeu casamento - é provável que não.
A Mariana deu-se sem pensar, sem cálculo, sem exigir garantias; deu-se com a
sua inexperiência de selvagem, com os impulsos do seu coração, com os ardores
do seu sangue de serrana vigorosa e forte. Mas deu-se toda e para sempre, e
julgou que a tinham tomado para sempre.
Meses
depois a mãe ia só ao trabalho, porque a rapariga já não podia dissimular o seu
estado sob as pregas do xale de lã, e, envergonhada, ficava em casa.
Por
este tempo levava o proprietário da Sovereira-formosa muito bem encaminhadas
umas negociações para casar o filho com a D. Angélica - um excelente casamento.
Trinta
e cinco ou quarenta anos antes, o pai de D. Angélica viera da Covilhã para
caixeiro de uma loja na vila próxima. Era uma lojita fria, úmida, escura, ao
cimo da rua Nova, onde se vendia de tudo: chitas e manteiga, pano cru e açúcar,
pregos e velas de sebo. O beirãozito passou ali anos ao balcão com os mesmos
sapatos de ourelo, e o mesmo casaco cor de mel, ensebado, com que viera da
terra. Tinha o gênio da usura; privava-se de tudo com uma sordidez enérgica,
vivendo de pão de rala e alhos crus, e emprestando a juros os tostões do seu
pequeníssimo ordenado.
De
repente soou na vila uma notícia extraordinária: o caixeiro ia casar com uma
sobrinha ou afilhada - ou talvez, algum parentesco mais próximo - que o velho e
rico prior de Santo Antônio tinha em casa. Isto deu que falar. Disse-se que o
casamento era forçado; que o prior encontrara alta noite no quarto da sobrinha
o aspirante da alfândega, um meliante de Lisboa, que tocava o fado, e se
embebedava regularmente às quintas e domingos na hospedaria das Silveiras. O
caixeiro fora então chamado a reparar culpas, que não cometera. Mas - observava
neste ponto da história o velho Serrano - isto nunca se soube bem ao certo, e a
calúnia não poupa ninguém... seria capaz de não poupar Nosso Senhor Jesus
Cristo, se cometesse a insigne imprudência de voltar ao mundo.
Fosse
como fosse, o caixeiro casou; e então, com o dinheiro do prior, tomou a loja de
trespasse, e alargou as suas operações de usura, que passaram a chamar-se
operações de crédito. Teve também comissões de Lisboa - comprava cevadas e
azeites.
Anos
depois, o prior morria, deixando-lhe um bom lote de fazendas, e - diziam - uma
grande arca, toda cheia de velhos cruzados novos. Nas mãos do beirão a fortuna
do prior medrou. As fazendas arredondaram-se: com uns foros da Misericórdia,
comprados barato; com uns milheiros de vinha, penhorados por uma dívida de cem
mil réis a uma viúva pobre; com uns olivais, entregues na liquidação final de
contas obscuras. E agora, o lojista da rua Nova era um personagem, um dos
maiores entre os quarenta maiores contribuintes, grande influente eleitoral,
tendo o seu palacete na Praça, de frontaria bem caiada, com frisos verdes na
cimalha, e globos de vidro amarelo nas grades das janelas.
O
cruzamento do beirão com a alentejana não fora feliz - a sua filha única, D. Angélica,
não era bonita. Grossa, corada, luzidia, dada a atavios vistosos... francamente
não era bonita. Mas que boa dona de casa! Econômica, madrugadora, severa com as
criadas, e tendo - como a imortal Dulcinéia - a melhor mão para salgar porcos
de toda a província!
O
lavrador da Sovereira tinha umas contas com o lojista - quem as não tinha? De
ano para ano as contas iam-se enredando, complicando-se em misteriosos
labirintos de juros de juros. Lembrou-se de as saldar pelo casamento do filho.
Mandou sondar o terreno; e as propostas foram bem recebidas. O lojista
conhecia-lhe os negócios a fundo, sabia que os seus embaraços não eram graves;
e depois uma aliança com os Seabras da Sovereira lisonjeava-lhe todas as
vaidades.
Quando
o pai lhe falou no casamento, o João ficou muito atrapalhado. Custava-lhe
deixar a Mariana, e naquele estado. Tinha pena da rapariga, e tinha medo do seu
génio violento... de um disparate. Resistiu a princípio. Então toda a família o
rodeou, dando- -lhe bons conselhos.
O
tio João Máximo, quando soube que a hesitação do sobrinho procedia do escrúpulo
de deixar uma azeitoneira d’A dos Corvos, riu a bom rir, segurando as ilhargas
gordas nas mãos curtinhas, com grupos de pêlos ruivos pelas falanges.
-
Já não há rapazes! dizia-lhe ele. Vocês não sei o que me parecem. Então a gente
há de estar com essas coisas? Elas lá se arranjam... lá se arranjam...
E
contava-lhe as suas aventuras de D. João de aldeia. Tinha sido a Catarina, e a
Benta, e mais a Isabel, e a Joana da horta, e a Conceição da estalagem - uma
hecatombe de mondadeiras. Hecatombe não é bem a palavra, porque, a acreditar no
que dizia o tio João Máximo, todas elas prosperaram. A Catarina tinha casado, e
também a Benta; a Conceição pôs uma venda; a Isabel estava agora de criada grave
em casa do juiz de direito, que era solteiro. Estavam todas bem estabelecidas,
gordas e perfeitas.
-...Elas
lá se arranjam... lá se arranjam... E olha, terminava o tio João Máximo, o
melhor que a gente leva deste mundo é... rir e divertir-se sem estar lá com
essas coisas!
A
tia Doroteia não levava o caso tão placidamente; irritava-se:
-
Umas doidas! umas... - é necessário expurgar cuidadosamente o vocabulário da
tia Doroteia, que no entanto era uma honesta senhora - umas doidas sem vergonha
que andam metidas com um e com outro! Que sabes tu se lhe deves alguma coisa?
O
João não respondia, macambúzio, metido no quarto, numa resistência passiva.
Então o pai levou-o por bem, contando-lhe os seus embaraços, pintando-lhe as
opulências da Sovereira-formosa quando as dívidas estivessem todas pagas,
mostrando--lhe, no futuro, uma vida farta, à vontade, caçadas, bons cavalos,
viagens a Lisboa. Disse-lhe que dariam alguma coisa à Mariana, que a não
deixavam desamparada. E que mais queria ela? que podia ela esperar?
Afinal
o João cedeu. Prometeu ir a A dos Corvos, desenganar a rapariga, acabar tudo.
Foi, mas teve medo da crise - adiou-a. Disse só que ia para a vila tratar de
uns negócios, demorava-se um mês, talvez dois, depois voltava. Deixou a
rapariga lavada em lágrimas; mas segura, sem uma suspeita.
Passou
um mês; passaram dois e mais. A Mariana, sentada agora junto do berço do filho,
contava os dias e as horas. Não lhe chegou aos ouvidos a notícia do casamento -
A dos Corvos fica tão arredada de tudo, e ela vivia tão só!
Uma
manhã, voltava de longe, do mato, com um feixe de lenha à cabeça, e a criança
ao colo, abrigada pela ponta do xale de lã. De um cerro viu à distância, na
estrada da vila, a bem conhecida traquitana da Sovereira-formosa. Viria ali o
João? Bateu-lhe o coração tão violentamente que fechou os olhos, e teve de
encostar-se a um chaparro para não cair. Veio descendo para a estrada, e quando
a traquitana chegou perto viu dentro o seu João. Não viu mais nada, deixou cair
o feixe de lenha e correu à carruagem, esfalfada, sem respiração, levantando o
filho nos braços, dizendo só:
-
Oh! João!
Vinha
tão cega, com tanto ímpeto, que seria pisada se o almocreve não detivesse as
mulas. Mas então... viu uma senhora ao lado dele. Dentro da carruagem, a D. Angélica
perguntou numa voz áspera e agressiva:
-
Que é isto? quem é esta mulher?
Vendo-o
ficar em silêncio, amarelo, enfiado, acrescentou num tom mais azedo:
-
Tu conheces esta mulher, João?
E
ele, baixo, mas de modo que a Mariana o ouviu distintamente, respondeu,
hesitando:
-
Eu não... não sei quem é. Talvez... talvez esteja doida.
A
rapariga recuou, como se esta palavra a empurrasse, e a D. Angélica gritou ao
almocreve:
-
Anda lá.
-
Doida! dizia a Mariana, imóvel ao lado da estrada.
Percebia
tudo, e quando a traquitana, que se afastava ao trote largo das mulas, se sumiu
lá adiante na volta, sentiu que tudo se acabava. Num primeiro impulso deitou a
correr pela encosta abaixo para a ribeira. Ia a direito, cortando o esteval
alto, atravessando os balseiros, partindo as loendreiras, rasgando-se nas
silvas, atirando-se à espessura brava do mato, como uma corça ferida. Em baixo,
encarou o espelho frio da água na superfície tranquila do pego. Estava muito
tranquila, retratando nitidamente as moitas de loendro florido da outra margem;
enrugava-se apenas em círculos, que se alargavam docemente, quando a ponta da
asa de uma andorinha a tocava no passar rápido. Estava muito tranquila nos
recantos assombrados pelos balseiros, límpida, transparente, deixando a vista
penetrar na fundura esverdeada.
A
rapariga apertou o filho ao peito, e deitou-se ao pego.
Uns
cortadores, que andavam ali no montado, viram-na de longe correr para a
ribeira, e seguiram-na. Dois ou três mais afoitos lançaram-se à água e puderam
tirá-la a custo. Estenderam-na ao sol, de costas, na erva da margem. Branca, os
olhos cerrados, os longos cabelos negros, desatados, cheios de água, espalhados
sobre a relva florida, a chita molhada das roupinhas colada nas curvas firmes
dos seios, a rapariga parecia morta. Passados momentos descerrou os lábios numa
funda inspiração; uma onda leve de sangue tingiu-lhe as faces; as pálpebras
tremeram.
Voltava
à vida; mas ao peito apertava nervosamente o cadáver da criança afogada.
Depois, sentada na relva, com os seus grandes olhos pretos, fitos,
ininteligentes, conchegava o cadáver do filho num gesto terno, querendo
aquecê-lo. Os cortadores forcejavam por lho tirar, docemente, com um toque
carinhoso das suas mãos rudes. Um deles - o Chico da Bemposta, que na semana
passada dera duas facadas no João da Benta - de joelhos ao pé dela, soluçava.
Quando a separaram do cadáver, não percebeu; e, enrolando o seu xale molhado,
apertou-o ao peito, acalentando-o com um sorriso triste.
Hoje
a maluca vive com a mãe, que trabalha para a sustentar. Vivem muito pobres...
muito esquecidas. Quem vai às vezes por casa delas, e lhes deixa sobre a mesa
uns dez tostões, que lhe fazem falta, é o D. Jesus, o velho curandeiro.
O
João está presidente da Câmara Municipal; e o sogro espera, por ocasião das
eleições gerais, obter para ele o título de visconde.
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Fonte:
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Fonte:
Contos Portugueses - Volume I. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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