ÀS RAPARIGAS
Travessas, formosas, gentis raparigas,
Meus lindos romances atentas ouvi:
Nasci sobre as ondas das águas do norte,
E as verdes florestas do norte corri.
Do rio — gigante — que tira o seu nome
Daquelas guerreiras dos tempos d'além,
À margem virente colhi muitos frutos,
E flores, e riscos, e... beijos também!
Aos pés das cascatas, em tardes serenas,
Ao som dos ruídos das águas, — cismei;
Que cismas de crenças! que sóis d’esperanças!
Que ar de baunilha que ali respirei!
Corri pelas veigas atrás dos galheiros,
Os méis das abelhas nos montes bebi;
E à sombra dos cedros altivos, copados,
As sestas, saudosas, nas redes dormi.
Ao pino e aos raios do sol que mais queima,
Perdido nas brenhas de incultos sertões,
Lutei braço a braço co’as onças feroces,
Mais bravas, mais feras que os próprios leões!
Delgado, flexível, meu corpo mimoso,
Nas tardes calmosas do sol do Equador,
Nos lagos, nos rios nadava boiando,
Por entre as gaivotas, das águas à flor.
Em noites de lua, ao lar das choupanas,
Ouvi dos sertanos as rudes canções;
E as lendas de amores das filhas das selvas,
E os ternos segredos de seus corações.
Nas matas, mirei-me nas águas das fontes,
Que imagem faceira nas águas sorria!...
Atentas ouvi-me, gentis raparigas,
Dizei-me, travessas, se o espelho mentia.
Meus olhos castanhos, sisudos, traquinas,
Têm fogo, têm brilho, têm lhana expressão!
Audaces, medrosos, esquivos, quietos...
Meus olhos, dizei-me: formosos não são?
Meus lábios... meus lábios pequenos, risonhos,
Uns longes tirando da cor do carmim,
Dos méis e perfumes das flores sedentos...
Pois há muitos lábios mimosos assim!...
E os negros cabelos, e as faces de jambo,
E os buços macios abrindo-se em flor?
E uns traços de triste que eu tenho na fronte,
E o sangue nas veias coando em fervor?...
E a boca tão breve... e as doces palavras,
E a idade viçosa as meiga estação?
E as minhas cantigas, e um peito que é terno,
E os muitos desejos do meu coração?...
Dizei-me, travessas, gentis raparigas,
Dizei-me, formosas, se o espelho mentia?
Tão cheio de dotes e os dotes tão raros,
Não era galante o retrato que via?
Pois bem; das florestas, das matas virentes,
A mão da ventura me trouxe até aqui;
Perdido entre as gentes, perdi-me de amores,
Por todos os olhos das moças que vi...
E eu ando perdido com os dotes que tenho...
Que sina! que pena! que triste condão!
Se dentre vós uma quisesse se noiva...
Que noivo eu dera, e aí, que noivo então!...
É tempo, e inda há tempo! — é fero destino
Perderem-se dotes tão raros assim!
Se dentre vós — uma quiser um marido,
Me escreva uma carta dizendo — que sim.
O CALOTE
O CALOTE
(Imitação do francês)
Saí da oficina
Inda não era o sol posto:
Em meio ao caminho encontrei
Trigueira, gentil menina
Toda inteira de meu gosto:
Fui — junto dela parei.
Tomei-lhe as mãos trigueirinhas,
(Que macias mãos aquelas!)
Beijei-as com frenesi...
— De todas as moreninhas,
Lhe disse, de todas elas
És a mais linda que vi!
— Vamos aos bosques, morena?
Vamos ver os arvoredos,
Que muitos há para ver!
A tarde vai tão serena...
E eu tenho tantos segredos
Que t’os queria dizer...
Fui-lhe do braço travando,
Sem mostrar constrangimento,
Que eu a levasse deixou;
Porém, aos bosques chegando,
Com ares de sofrimento,
Em pranto se desatou.
— Que tens, por que choras, bela?
Eu não te fiz resistência,
Tu mesma o podes dizer?...
— Ai! soluçou, pobre dela!
Eu choro a minha inocência...
Que vais deitar a perder...—
— Esta bem, por Deus, não chores!
Não tocarei a inocência
que Deus manda respeitar;
Tornemos ao campo: as flores
Vai colher da adolescência,
Vai pelos campos saltar.
— Livre’stás, podes agora,
Lhe disse ao campo chegando,
Podes rir, podes brincar;
Vai ela, com voz sonora,
Negros olhos requebrando
Pôs-se zombando a cantar.
— Que tens p’ra cantar, trigueira?
Responde, por vida minha,
Que tens para assim cantar?
Respondeu: — A sua asneira!
Teve entre as mãos a galinha
E não soube depenar!...
MAL DE UM BEIJO
— Dá-me um beijo! pode um beijo
Deixar-me acaso senão?
Eu sei beijar tão leve...
Dá-me o beijo, Lídia?
— Não.
Mesquinha! pródigas outras
Quantos beijos aí dão?...
Não sejas pródiga, emb’ora,
Mas... um beijo ao menos?
— Não.
— Não te peço um sacrifício
Em paga d’este vulcão,
Que trago dentro do peito,
Dá-me um beijo em paga?
— Não.
— Inferno! Que amante és Lídia,
Pois sempre a dizer-me não,
Quando um beijo te suplico
Nos ardores da paixão?...
— Que me pedes para prova
De minha extrema paixão?
Vai dizendo, verás, Lídia,
Que não sei dizer-te — Não.
— Há de compor um romance,
Que fale somente em mim,
Que acima das moças todas
Me punha em beleza?
— Sim.
— Não há de deixar que eu viva
Por muitos meses assim
Aborreço o meu estado...
— Sim, Lídia, três vezes sim.
É toda a minha ventura
Casar-me, meu serafim;
Assim queiras... queres?
— Quero!
— Está dito... beijo?
— Sim!
***
E beijei-a... Mas o beijo
Arrefeceu-me a paixão...
Hei de compor-lhe o romance;
Mas casar com Lídia? — Não.
MORENINHA
— Moreninha,
dás-me um beijo.
— E o que me dá,
meu senhor?
— Este cravo...
— Ora, esse cravo!
De que me serve
uma flor?
Há tantas flores
nos campos!
Hei de agora, meu
senhor,
Dar-lhe um beijo
por um cravo?
É barato; guarde a
flor.
— Dá-me o beijo,
moreninha,
Dou-te um corte de
cambraia.
— Por um beijo
tanto pano!
Compro de graça
uma saia!
Olhe que perde na
troca,
Como eu perdera
com a flor;
Tanto pano por um
beijo...
Sai-lhe caro, meu
senhor.
— Anda cá... ouve
um segredo...
— Ai, pois quer
fiar-se em mim?
Deus o livre; eu
falo muito,
Toda mulher é
assim...
E um segredo...
ora um segredo...
Pelos modos que
lhe vejo
Quer o meu beijo
de graça,
Um segredo por um
beijo?!
— Quero dizer-te
aos ouvidos
Que tu és uma
rainha...
Acha, pois? e o
que tem isso?
Quer ser rei, por
vida minha?
— Quem dera que tu
quisesses...
— Não duvide, que
o farei;
Meu senhor, case
com ela,
A rainha o fará
rei...
Casar-me?... ainda
sou tão moço...
— Como é criança
esta ovelha!
Pois eu pra beijar
crianças,
Adeusinho, já sou
velha.
AÇUCENA
Era uma branca
açucena.
Deu-me alguém a
branca flor;
Donzela que teve
pena
Das queixas de meu
amor,
Foi uma gentil
morena
Pediu-me a branca
açucena.
—Eu vivo, gentil
morena,
Do perfume desta
flor;
Deu-me alguém esta
açucena
Como um talismã de
amor.
Vai ela e disse: —
Tem pena!
Oh dá-me a branca
açucena!
Nos seios desta
açucena
Minh´alma adormece
em flor;
Oh deixe-a dormir,
tem pena,
Neste regaço de
amor!
—Troquemos , disse
a morena,
Um beijo pela
açucena?!
Fui eu beijei a
morena
Dos rubros lábios
na flor.
E dei-lhe a branca
açucena,
O meu talismã de
amor!
Ai nem de mim tive
pena,
E nem daquela
açucena!
Ai minha branca
açucena,
Ai minha mimosa
flor!
Cortei o fio sem
pena,
Do sono de nosso
amor!
Ai caprichosa
morena!
Ai minha branca
açucena!
Foi nos seios da
morena
Abrasou-se a
branca flor...
Aquela branca
açucena,
Aquela prenda de
amor!
Seios de fogo, sem
pena,
Queimaram minha
açucena!
—O que é de minha
açucena,
Que é da minha
branca flor?
Agora quem terá
pena
Deste amor órfã de
amor?
Dá-me a minha
flor, morena,
Aquela branca
açucena!
E vai responde a
morena:
—Aquela mimosa
flor?
Aquela branca
açucena?
Aquela prenda de
amor?
E a desdenhosa,
sem pena,
Deu-me as cinzas
da açucena!
Ninguém escute a
morena,
Ninguém lhe ceda
uma flor.
Que ela pede uma
açucena
Para matar um amor
E... rir-se
depois, sem pena,
De quem chora uma
açucena!
O BRANCO E O
TIMBIRA
(Indígena
Brasileiro)
O branco disse ao
timbira:
— Não me inspiram,
sertanejo,
— Estes bosques,
estas matas;
— Nem eu vejo
De que te ufanes
aqui:
Vem comigo — minha
terras
Tem mais lindas
variedades
Vida, amor, ouro,
prazeres,
Nas cidades
Tudo enfim, terás
— ali.
— O timbira disse
ao branco:
— Cariúra, deixa a
cidade,
__ Vem viver co’o
sertanejo,
— Aqui tens a
liberdade.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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