segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Bruno Seabra: "5 Poemas"

ÀS RAPARIGAS

Travessas, formosas, gentis raparigas,
Meus lindos romances atentas ouvi:
Nasci sobre as ondas das águas do norte,
E as verdes florestas do norte corri.

Do rio — gigante — que tira o seu nome
Daquelas guerreiras dos tempos d'além,
À margem virente colhi muitos frutos,
E flores, e riscos, e... beijos também!
Aos pés das cascatas, em tardes serenas,
Ao som dos ruídos das águas, — cismei;
Que cismas de crenças! que sóis d’esperanças!
Que ar de baunilha que ali respirei!

Corri pelas veigas atrás dos galheiros,
Os méis das abelhas nos montes bebi;
E à sombra dos cedros altivos, copados,
As sestas, saudosas, nas redes dormi.

Ao pino e aos raios do sol que mais queima,
Perdido nas brenhas de incultos sertões,
Lutei braço a braço co’as onças feroces,
Mais bravas, mais feras que os próprios leões!

Delgado, flexível, meu corpo mimoso,
Nas tardes calmosas do sol do Equador,
Nos lagos, nos rios nadava boiando,
Por entre as gaivotas, das águas à flor.

Em noites de lua, ao lar das choupanas,
Ouvi dos sertanos as rudes canções;
E as lendas de amores das filhas das selvas,
E os ternos segredos de seus corações.

Nas matas, mirei-me nas águas das fontes,
Que imagem faceira nas águas sorria!...
Atentas ouvi-me, gentis raparigas,
Dizei-me, travessas, se o espelho mentia.

Meus olhos castanhos, sisudos, traquinas,
Têm fogo, têm brilho, têm lhana expressão!
Audaces, medrosos, esquivos, quietos...
Meus olhos, dizei-me: formosos não são?

Meus lábios... meus lábios pequenos, risonhos,
Uns longes tirando da cor do carmim,
Dos méis e perfumes das flores sedentos...
Pois há muitos lábios mimosos assim!...

E os negros cabelos, e as faces de jambo,
E os buços macios abrindo-se em flor?
E uns traços de triste que eu tenho na fronte,
E o sangue nas veias coando em fervor?...

E a boca tão breve... e as doces palavras,
E a idade viçosa as meiga estação?
E as minhas cantigas, e um peito que é terno,
E os muitos desejos do meu coração?...

Dizei-me, travessas, gentis raparigas,
Dizei-me, formosas, se o espelho mentia?
Tão cheio de dotes e os dotes tão raros,
Não era galante o retrato que via?

Pois bem; das florestas, das matas virentes,
A mão da ventura me trouxe até aqui;
Perdido entre as gentes, perdi-me de amores,
Por todos os olhos das moças que vi...

E eu ando perdido com os dotes que tenho...
Que sina! que pena! que triste condão!
Se dentre vós uma quisesse se noiva...
Que noivo eu dera, e aí, que noivo então!...

É tempo, e inda há tempo! — é fero destino
Perderem-se dotes tão raros assim!
Se dentre vós — uma quiser um marido,
Me escreva uma carta dizendo — que sim.



O CALOTE
(Imitação do francês)

Saí da oficina
Inda não era o sol posto:
Em meio ao caminho encontrei
Trigueira, gentil menina
Toda inteira de meu gosto:
Fui — junto dela parei.

Tomei-lhe as mãos trigueirinhas,
(Que macias mãos aquelas!)
Beijei-as com frenesi...
— De todas as moreninhas,
Lhe disse, de todas elas
És a mais linda que vi!

— Vamos aos bosques, morena?
Vamos ver os arvoredos,
Que muitos há para ver!
A tarde vai tão serena...
E eu tenho tantos segredos
Que t’os queria dizer...

Fui-lhe do braço travando,
Sem mostrar constrangimento,
Que eu a levasse deixou;
Porém, aos bosques chegando,
Com ares de sofrimento,
Em pranto se desatou.

— Que tens, por que choras, bela?
Eu não te fiz resistência,
Tu mesma o podes dizer?...
— Ai! soluçou, pobre dela!
Eu choro a minha inocência...
Que vais deitar a perder...—

— Esta bem, por Deus, não chores!
Não tocarei a inocência
que Deus manda respeitar;
Tornemos ao campo: as flores
Vai colher da adolescência,
Vai pelos campos saltar.

— Livre’stás, podes agora,
Lhe disse ao campo chegando,
Podes rir, podes brincar;
Vai ela, com voz sonora,
Negros olhos requebrando
Pôs-se zombando a cantar.

— Que tens p’ra cantar, trigueira?
Responde, por vida minha,
Que tens para assim cantar?
Respondeu: — A sua asneira!
Teve entre as mãos a galinha
E não soube depenar!...



MAL DE UM BEIJO

— Dá-me um beijo! pode um beijo
Deixar-me acaso senão?
Eu sei beijar tão leve...
Dá-me o beijo, Lídia?
— Não.

Mesquinha! pródigas outras
Quantos beijos aí dão?...
Não sejas pródiga, emb’ora,
Mas... um beijo ao menos?
— Não.

— Não te peço um sacrifício
Em paga d’este vulcão,
Que trago dentro do peito,
Dá-me um beijo em paga?
— Não.

— Inferno! Que amante és Lídia,
Pois sempre a dizer-me não,
Quando um beijo te suplico
Nos ardores da paixão?...

— Que me pedes para prova
De minha extrema paixão?
Vai dizendo, verás, Lídia,
Que não sei dizer-te — Não.

— Há de compor um romance,
Que fale somente em mim,
Que acima das moças todas
Me punha em beleza?
— Sim.

— Não há de deixar que eu viva
Por muitos meses assim
Aborreço o meu estado...
— Sim, Lídia, três vezes sim.

É toda a minha ventura
Casar-me, meu serafim;
Assim queiras... queres?
— Quero!
— Está dito... beijo?
— Sim!

***

E beijei-a... Mas o beijo
Arrefeceu-me a paixão...
Hei de compor-lhe o romance;
Mas casar com Lídia? — Não.



MORENINHA

— Moreninha, dás-me um beijo.
— E o que me dá, meu senhor?
— Este cravo...
— Ora, esse cravo!
De que me serve uma flor?
Há tantas flores nos campos!
Hei de agora, meu senhor,
Dar-lhe um beijo por um cravo?
É barato; guarde a flor.

— Dá-me o beijo, moreninha,
Dou-te um corte de cambraia.
— Por um beijo tanto pano!
Compro de graça uma saia!
Olhe que perde na troca,
Como eu perdera com a flor;
Tanto pano por um beijo...
Sai-lhe caro, meu senhor.
— Anda cá... ouve um segredo...
— Ai, pois quer fiar-se em mim?
Deus o livre; eu falo muito,
Toda mulher é assim...

E um segredo... ora um segredo...
Pelos modos que lhe vejo
Quer o meu beijo de graça,
Um segredo por um beijo?!
— Quero dizer-te aos ouvidos
Que tu és uma rainha...
Acha, pois? e o que tem isso?
Quer ser rei, por vida minha?

— Quem dera que tu quisesses...
— Não duvide, que o farei;
Meu senhor, case com ela,
A rainha o fará rei...
Casar-me?... ainda sou tão moço...
— Como é criança esta ovelha!
Pois eu pra beijar crianças,
Adeusinho, já sou velha.



AÇUCENA

Era uma branca açucena.
Deu-me alguém a branca flor;
Donzela que teve pena
Das queixas de meu amor,

Foi uma gentil morena
Pediu-me a branca açucena.

—Eu vivo, gentil morena,
Do perfume desta flor;
Deu-me alguém esta açucena
Como um talismã de amor.
Vai ela e disse: — Tem pena!
Oh dá-me a branca açucena!

Nos seios desta açucena
Minh´alma adormece em flor;
Oh deixe-a dormir, tem pena,
Neste regaço de amor!
—Troquemos , disse a morena,
Um beijo pela açucena?!
Fui eu beijei a morena
Dos rubros lábios na flor.
E dei-lhe a branca açucena,
O meu talismã de amor!
Ai nem de mim tive pena,
E nem daquela açucena!

Ai minha branca açucena,
Ai minha mimosa flor!
Cortei o fio sem pena,
Do sono de nosso amor!
Ai caprichosa morena!
Ai minha branca açucena!

Foi nos seios da morena
Abrasou-se a branca flor...
Aquela branca açucena,
Aquela prenda de amor!
Seios de fogo, sem pena,
Queimaram minha açucena!

—O que é de minha açucena,
Que é da minha branca flor?
Agora quem terá pena
Deste amor órfã de amor?
Dá-me a minha flor, morena,
Aquela branca açucena!

E vai responde a morena:
—Aquela mimosa flor?
Aquela branca açucena?
Aquela prenda de amor?
E a desdenhosa, sem pena,
Deu-me as cinzas da açucena!

Ninguém escute a morena,
Ninguém lhe ceda uma flor.
Que ela pede uma açucena
Para matar um amor
E... rir-se depois, sem pena,
De quem chora uma açucena!



O BRANCO E O TIMBIRA
(Indígena Brasileiro)

O branco disse ao timbira:
— Não me inspiram, sertanejo,
— Estes bosques, estas matas;
— Nem eu vejo

De que te ufanes aqui:
Vem comigo — minha terras
Tem mais lindas variedades
Vida, amor, ouro, prazeres,
Nas cidades

Tudo enfim, terás — ali.
— O timbira disse ao branco:
— Cariúra, deixa a cidade,
__ Vem viver co’o sertanejo,

— Aqui tens a liberdade.


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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