VOZ ÍNTIMA
Fecha-te,
sofredor, na alva túnica ondeante
Dos
sonhos!E caminha, e prossegue, embebido,
Muito
embora, na dor de um fiei celebrante
De um
estranho ritual desdenhado e esquecido!
Deixa
ressoar em torno o bárbaro alarido,
Deixa que
voe o pó da terra em torno... Adiante!
Vai tu só,
calmo e bom, calmo e triste, envolvido
Nessa
túnica ideal de sonhos, alvejante.
Sê, nesta
escuridão do mundo, o paradigma
De um
desolado espectro, uma sombra, um enigma,
Perpassando
sem ruído a caminho do Além.
E só
deixes na terra uma reminiscência:
A de alguém
que assistiu à luta da existência,
Triste e
só, sem fazer nenhum mal a ninguém.
A VIDA
Impressão do Moisés, de Menotti del Picchia
Eis a
Vida: seguir umas quimeras vagas,
lançando a
mão em sangue aos cardos e aos espinhos;
rolar no
pó; gemer; deixar pelos caminhos
mil
farrapos de carne e o sangue de mil chagas;
sorver o
horrendo fel que anda em todos os vinhos,
o veneno
que jaz em todas as teriagas;
persistir,
todavia, entre as chufas e as pragas
dos que
vão, a ulular, por trilhos convizinhos;
chegar,
enfim, exausto, ao fastígio da idade,
ver
desfeito o jardim de encanto que sonhamos,
cair
desfalecido e — supremo revés —
olhando
para trás, ver que a felicidade
ficou
além, no vale, onde, espectros, passamos,
ficou
além, na flor que calcamos aos pés...
PALAVRAS, NEM SEMPRE AS LEVA O VENTO
Manda o
costume devolver o insulto
com outro
insulto igual, senão melhor.
Não
procedais assim, que é baixo e estulto.
Temeis o
mal? Pois evitai o pior.
Cada
palavra que dizeis de vulto,
como o som
de um violino anda em redor,
depois de
vos revoar no ser oculto,
por onde a
ressonância a fez maior.
O violino,
porém, não se recorda
do som que
um dia lhe vibrou na corda,
e o vosso
coração fica a fremir;
e, às
vezes, a palavra, além, se esquece,
enquanto
em vosso peito permanece,
como pedra
que a um lago foi cair.
CREPÚSCULO SERTANEJO
Cai a
noite. Um rubor fulge atrás da colina,
cuja
sombra se alonga a pouco e pouco, enorme.
A velha
árvore, além, verde nuvem, se inclina
para o
chão, balançando o vulto desconforme.
É uma nota
profunda a vibrar na surdina
das cores
e da luz, no amplo vale que dorme.
No
silêncio feral, que é uma vaga neblina
de sons,
passa-lhe a voz como um borrão informe.
Sob a copa
uma forma em cinza se desmancha.
Um boi
cansado busca a figueira cansada;
muge, e
deita-se, em paz, numa violácea alfombra.
Muge. A
fronde e o animal fazem uma só mancha;
o mugido e
o rumor da fronde, a mesma zoada.
Manchas de
som... Zoadas de cor... Silêncio. Sombra.
RIOS
A Adalgiso Pereira
Almas
contemplativas! Vão rolando
por esta
vida, como os rios quietos...
Rolam os
rios, — árvores e tetos,
céus e
terras, tranquilos, espelhando;
vão
refletindo todos os aspectos,
num
serpentear indiferente e brando;
espreguiçam-se,
límpidos, cantando,
no remanso
dos sítios prediletos;
fecundam
plantações, movem engenhos,
dão de
beber, sustentam pescadores,
suportam
barcos e carreiam lenhos...
Lá se vão,
num rolar manso e tristonho,
cumprindo
o seu destino sem clamores
e sonhando
consigo um grande sonho.
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Fonte:
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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