A MENINA E O BICHO
Era uma vez um homem que tinha
três filhas.
Eram
todas muito amigas dele, mas havia uma que ele estimava mais.
Foi um
dia à feira e perguntou às filhas o que é que elas queriam de lá. Uma delas
disse:
— Um
chapéu e umas botas!
A outra
disse também:
— Um
vestido e um xaile!
Mas a
que ele estimava mais não lhe disse nada.
O
homem, muito admirado, perguntou:
— Ó
minha filha, tu não queres nada?
— Não
quero nada, disse ela. Quero que meu pai tenha saúde!
— Tu
hás de também pedir uma coisa, seja o que for, que eu trago-ta! respondeu o
pai.
Ela,
para que o pai a deixasse, disse então:
— Quero
que meu pai me traga um corte de goraz em campo verde.
O homem
foi para a feira, comprou todas as coisas que as filhas lhe tinham pedido, e
não fazia senão procurar o corte de goraz em campo verde. Mas não o encontrou.
Era coisa que não havia. Por isso vinha muito triste para casa, porque era a
filha que ele mais estimava.
Quando
vinha andando, aconteceu-lhe ver luzir uma luz no caminho, porque já era noite.
Foi
andando, andando, até chegar àquela luz.
Era um
pastor, que estava ali numa cabana. O homem chegou-se a ele e perguntou:
—
Sabe-me dizer que palácio é aquele, e se me podiam dar agasalho!
O
pastor respondeu muito admirado:
— Oh!,
senhor, mas... naquele palácio não habita ninguém; aparece lá uma coisa, e
todos têm medo de lá estar!
—
Deixá-lo, disse o homem, não me hão de comer, e como não tem ninguém, vou lá
dormir esta noite!
Foi.
Encontrou tudo iluminado e muito rico e, entrando mais para dentro, viu uma
mesa posta. Quando se ia a chegar à mesa, ouviu uma voz dizer:
— Come
e vai-te deitar naquela cama que ali está, e pela manhã levanta-te e leva o que
está em cima daquela mesa, que é o que a tua filha te pediu, mas, ao fim de
três dias, hás de ma trazer aqui.
O homem
ficou muito contente por levar à filha o que ela tinha pedido, mas ao mesmo
tempo ficou triste pelo que a voz lhe tinha dito.
Deitou-se
e ao outro dia levantou-se, foi direito à mesa e viu o corte de goraz em campo
verde; agarrou nele e foi para casa.
Apenas
chegou, começaram as filhas de roda dele:
— Meu
pai, que é que nos trouxe? Deixe ver.
O pai
deu-lhes tudo quanto trazia.
A outra
filha, a que ele estimava mais, perguntou-lhe só se ele tinha saúde. O pai
respondeu-lhe:
— Minha
filha, venho contente e ao mesmo tempo triste! Aqui tens o teu pedido.
A filha
respondeu-lhe:
— Oh!
meu pai, eu tinha-lhe pedido isto, porque era coisa que não havia; mas porque é
que vem tão triste?
—
Porque tenho de levar-te ao fim de três dias aonde me deram isto!
E
contou tudo o que lhe tinha acontecido no palácio e o que a voz lhe tinha dito.
A filha, quando ouviu tudo, respondeu:
— Não
esteja triste, meu pai, que eu vou, e há de ser o que Deus quiser!
Assim
foi. Ao fim de três dias o pai levou-a ao palácio encantado.
Estava
tudo iluminado, a mesa posta e duas camas feitas.
Quando
entraram, ouviram uma voz dizer:
— Come
e deixa-te estar três dias com a tua filha, para ela não ter medo.
O homem
esteve os três dias no palácio. No fim, foi-se embora, ficando a filha só.
A voz
falava com ela todos os dias, mas não se via ninguém.
Ao fim
de uns poucos dias, a menina ouviu cantar um passarinho no jardim. A voz
disse-lhe:
— Tu
ouves o passarinho a cantar?
— Oiço,
sim, disse a menina; é alguma novidade?
— É tua
irmã mais velha que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.
A
menina, muito contente, disse:
— Eu
quero, sim; e tu deixas-me Ir?
— Eu
deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!
—
Volto, sim! - disse a menina.
A voz
deu-lhe então um anel, para ela se não esquecer, e disse-lhe:
— Olha
que ao fim de três dias vai um cavalo branco buscar-te; há de bater três
pancadas: a primeira é para te vestires, a segunda é para te despedires e a
terceira é para te montares. Se às três não estiveres em cima do cavalo, ele
vem-se embora e deixa-te lá!
A
menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias, foi
o cavalo branco bater três pancadas. À primeira a menina começou a vestir-se, à
segunda despediu-se e à terceira montou a cavalo.
A voz
tinha dado à menina um caixote de dinheiro para levar ao pai e às irmãs, e por
isso elas não queriam que ela tornasse para o palácio encantado, porque já
estava multo rica.
Mas a
menina lembrou-se do que tinha prometido, e apenas se viu em cima do cavalo
foi-se embora.
No fim
de certo tempo tornou o passarinho a cantar muito contente no jardim. A voz
disse-lhe:
— Tu
ouves o passarinho a cantar?
— Oiço,
sim, disse a menina, é alguma novidade?
— É a
outra tua irmã que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.
A
menina, muito contente, disse:
— Eu
quero, sim; e tu deixas-me ir?
— Eu
deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!
—
Volto, sim, disse a menina.
A voz
disse, então:
— Olha
que se ao fim de três dias não vieres, ficas lá, e serás a rapariga mais
desgraçada que há no mundo!
A
menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias veio
o cavalo branco. Deu a primeira pancada, e a menina vestiu-se; deu a segunda, e
a menina despediu-se; deu a terceira, e montou a cavalo e foi para o palácio.
Passados
tempos tornou o passarinho a cantar no jardim, mas muito triste, muito triste.
A voz
disse-lhe:
— Tu
ouves o passarinho?
— Oiço,
sim, disse a menina, é alguma novidade? É, sim, é o teu pai que está para
morrer, e não morre sem se despedir de ti!
— E tu
deixa-me ir? perguntou a menina, muito triste.
—
Deixo, sim, mas desta vez é que tu não voltas!
—
Volto, sim, disse a menina.
A voz
disse-lhe:
— Não
voltas, não, que as tuas irmãs não te deixam vir! E tu e mais elas, serão as
raparigas mais desgraçadas deste mundo, se não voltares ao fim de três dias!
A
menina foi, o pai estava muito mal e não podia morrer, mas apenas se despediu
dela, morreu.
As
irmãs, como ela tinha perdido a noite, deram-lhe dormideiras e deixaram-na
dormir.
A
menina pediu muito que a acordassem antes de vir o cavalo branco.
As
irmãs que fizeram? Não a acordaram e tiraram-lhe o anel do dedo.
Ao fim
de três dias veio o cavalo. Bateu a primeira pancada, bateu a segunda, bateu a
terceira e foi-se embora, e a menina ficou.
Ela
andava muito satisfeita com as irmãs, porque não tinha o anel e já não se
lembrava de coisa nenhuma.
Daí a
uns poucos dias, começou a fortuna a andar para trás, a ela e às irmãs.
Até que
uma vez as duas disseram-lhe:
— Mana,
tu não te lembras do cavalo branco?
A
menina lembrou-se, então, de tudo e disse a chorar:
— Ai.
que desgraça a minha! Ai, que me desgraçaram! Que é do meu anel?
As
irmãs deram-lhe o anel, e a menina, com muita pena, foi-se logo embora. Chegou
ao palácio encantado, mas viu tudo muito triste, muito escuro e muito fechado.
Foi
direita ao jardim e encontrou um bicho muito grande, estendido no chão. O
bicho, apenas a viu, disse-lhe:
—
Retira-te, tirana, que me dobraste o meu encanto! Agora serás a rapariga mais
desgraçada do mundo, tu e as tuas irmãs!
O bicho
estava a acabar e, assim que disse isto, morreu. A menina voltou para as irmãs,
muito triste e a chorar multo, meteu-se em casa sem comer nem beber, e dali a
dias morreu também.
As
irmãs, essas ficaram cada vez mais pobres, por terem sido a causa disto tudo.
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Fonte:
Contos Populares Portugueses (1910): www.projetolivrolivre.com
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