ELEFANTES E URSOS
Era uma delícia ouvir o coronel Ferraz contar as suas façanhas de
caça; mas ele só vibrava, e só era verdadeiramente genial a inventar carapetões
quando tinha um bom auditório, quando via em volta de si olhos espantados e
bocas abertas.
Dizem que na
intimidade, conversando com
um amigo, ou
mesmo dois, era incapaz de pregar uma peta.
Ora, uma ocasião estava ele no meio de um grupo de vinte pessoas,
em que estavam representados ambos os sexos e todas as idades.
As palavras do coronel, proferidas com aquela voz reboante e
áspera, feita para comandar exércitos, eram avidamente bebidas. Apenas um rapaz
do grupo, o Miranda, o maior estróina que Deus pusera no mundo, tinha na
fisionomia um ar de mofa e parecia não tomar a sério as proezas cinegéticas do
nosso herói.
Mas isso não
foi nada -
dizia este retorcendo
as pontas dos
seus enormes bigodes grisalhos.
- Isso não foi nada à vista do que me aconteceu numa aldeia do Ganges, aonde me
levou a minha vida aventurosa. Um casal de elefantes corria atrás
de um moço
que lhes maltratara
o filho, um
elefantinho deste tamanho (e o
coronel indicou o tamanho de um elefantão). O macho ia atingir o moço com
a tromba, quando
o abati com um
tiro da minha
espingarda, que nunca falhou.
Mas restava a
fêmea... A arma
estroa descarregada, mas
eu, carioca da gema,
lembrei-me do nosso
jogo de capoeira,
e passei-lhe uma rasteira
tão na regra, que a prostrei por terra!
Antes que se erguesse aquela pesada
massa, tive tempo
de carregar a
espingarda e mandá-la
passear no outro mundo. O moço
estava salvo.
Houve no auditório um murmúrio de admiração. O coronel continuou:
- O moço, mal o sabia eu, era um príncipe, filho de um rajá, ou
coisa que o valha, muito estimado na
localidade: por isso,
ergueram sobre o
corpo do elefante macho uma espécie de trono em que
me colocaram, deram-me a beber um licor sagrado, investiram-me não sei de que
dignidade oficial, e fizeram-me assistir a umas danças intermináveis. Foi uma
festa a que concorreram mais de vinte mil pessoas.
Passado o frêmito do auditório, o Miranda tomou a palavra:
- O coronel foi mais feliz no Ganges do que eu em Ceilão.
- Você já esteve em Ceilão? - perguntou o coronel.
- Ora! Onde não tenho estado? Um dia, estando a caçar - sim,
porque também sou caçador! - saiu-me pela frente um enorme urso, que avançou
para mim. Quis levar a mão à espingarda, mas tremia tanto, que não consegui
pegá-la. E o urso a avançar! Nisto, senti um bafo no meu cachaço. Olhei para
trás: era outro urso, de goela aberta e dentes arreganhados!
- E que fez você? - perguntou o coronel, interessado deveras.
- Não fiz nada - respondeu o Miranda. - Fui comido!
---
Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Nenhum comentário:
Postar um comentário