domingo, 22 de setembro de 2013

Delminda Silveira: "Pérolas e Lágrimas"

PÉROLAS E LÁGRIMAS

Enquanto risonha a Castelã feliz, ante o seu magnífico espelho de cristal emoldurado em relevo de ouro, prendia ao colo formoso um belíssimo colar de finas, pérolas, na pobre choupana vizinha, pelas faces descoloridas da triste órfã aldeã, desfiava-se silenciosamente o colar de pérolas não menos precioso que lhe cingia o coração.

Estas, eram lágrimas amargas; aquelas, jóias raras faustuosas; e no palácio esplendoroso era tudo risos, flores e festa, enquanto que na casinha humilde, — lágrimas e suspiros só!

Mas porque sorria a fidalga?

Porque chorava a aldeã?

É que lá -, o amor cantava, — aqui o amor gemia.

Dois corações pendiam da balança das fadas: um, pleno de felicidade, outro, repleto de amarguras; e neste, sobrepujava o amor; era maior o padecer que naquele a felicidade, e gozo e ternura.

O jovem caçador vestido de verde, prendera o coração da singela aldeã; o gracioso fidalgo trajando veludo e ouro, merecera a preferência da orgulhosa fidalga; e, quando a pobre órfã reconheceu, sob a opulência do fidalgo, o seu lindo caçador, o coração gemer-lhe no peito, ferido de uma dor mais cruel do que a produzida pela afiada seta com que ele na floresta prostava sem vida a juriti carinhosa.

O nobre par acabava de receber-se na capela do antigo solar.

— Pérolas e lágrimas...

— Pérolas a ornarem a fronte, o alvo colo, os lindos braços da castela feliz; lágrimas a deslizarem-se silenciosas pelas descoloridas faces, pelo casto e pálido seio por entre as brancas mãos trêmulas e frias da aldeã desditosa.

A tarde chegara. As crianças da aldeia,, por toda a parte buscavam flores; não havia mais. Rosas brancas, brancos lírios, cravos, magnólias, açucenas e jasmins, tudo ornava o grande Palácio da nobre Senhora; no campo só restavam algumas rosinhas silvestres, açucenas do vale, e as flores laranjeira eram as flores da Virgem; levaram-nas. Coroa para a fronte, palma para as mãos, ramo para o seio... eis tudo. E a noiva do Céu, era ainda assim, mais bela e ditosa do que a noiva da terra!

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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)

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