O DESTINO
Eles se amavam muito!...
Eram felizes, mas... de uma
felicidade ideal!
Suas almas gozavam as
delícias de um afeto imenso, mas o mel da taça em que bebiam a ventura,
tinha, por vezes, a acrimônia do fel.
Sem ele, ela vivia como a
flor sem o sol; e ele sentia, longe dela, o gelo da indiferença arrefecer-lhe o
coração; mas, — escravo do dever -, arrastava, além, naquela atmosfera glacial,
uma existência penosa e amargurada, como o infeliz a quem privaram da liberdade.
E, no entanto, eles se amavam muito!...
Mas quem os separava?
— O Destino!-
Separava-os o destino; ele
partiu. Sua alma de poeta era sensível e meiga; inspirava o amor. Trovador
apaixonado, cantou na terna lira de suas ilusões, o canto da despedida.
O seu canto era assim:
Adeus, ó meiga virgem! não
despertes,
ao som da minha voz;
deixa que passem nos teus
sonhos lindos
as notas do meu canto...
Adeus! por longes terras
vou correr,
— na pátria foragido!
Sem um beijo de amor deixas
que parta
teu pobre cavalheiro!...
Nas ondas meu batel
embalançando
em ti eu cismarei,
quando o luar tremer sobre
a ardentia
dos mares na solidão!
Nos ermos, nas Campinas,
vagueando,
sem ter uma esperança,
à noite pousarei em alguma
choça
bem longe do meu lar!
Na branca madrugada,
entanto, a rota
irei seguindo, além,
por mares ou nos pobres
povoados
sem nunca ter prazer.
E quando este destino me
quebrar
as forças que me restam,
não quero teus olhos se
entristeçam
no dia em que eu morrer!
Amor que em teus sorrisos
tu me deste
comigo eu levarei;
amor que por ti sinto não
desprezes
tu que juraste amar!
Tu amas... sim; tu amas!
virgem meiga,
adeus... não te despertes;
eu parto... que em teus
sonhos o meu canto
murmure um triste adeus!
E ele partiu.
Almas irmãs, ela tinha
a sensibilidade e a ternura do poeta; inspirada de amor e de saudades, a virgem
solitária, errante pela encosta do mar que o levara, alta noite, ao luar,
cantava assim:
A voz do trovador quebrou
meu sonho:
— adeus! adeus, dizia:
e o canto era tão meigo,
tão tristonho,
tão cheio de harmonia...
A que longínquas terras,
peregrinas
Vai-te, célere assim?...
— na pátria foragido... oh!
que destino!...
e te partes sem mim!...
Meu pobre cavalheiro! Não
esqueças
meu terno e doce amor,
nas terras, na choupana em
que adormeças,
— cansado viajou.
Nas águas bonançosas, sem
receio,
soltando a barca leve,
irás pensando em mim...
penso eu anseio
por tua volta breve!
A noite, sobre as ondas
tremulosas,
douradas pela lua;
irei ouvir dos mares as
saudosas
canções dessa alma tua.
Se um dia tão cruel
destino, entretanto,
teu corpo languescer;
— eu quero, dos teus olhos
no quebranto,
a morte, alfim, sorver!
E amor que no teu peito
gravaste
contigo levarás;
e amor que na minha alma tu
deixaste
no Céu o encontrarás.
Adeus, ó cavalheiro! o
sonho lindo,
desfez-se triste, assim!
— Tu partes... o teu fado vais
seguindo...
Ai! tu partes sem mim!
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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