sábado, 21 de setembro de 2013

Lima Barreto: "Hóspede Ilustre"

HÓSPEDE ILUSTRE
CONTOS ARGELINOS

Todos os dias, anunciam as folhas a chegada de um hóspede ilustre, estampando-lhe algumas vezes o retrato. O Rio de Janeiro, se não está ficando o Instituto de França ou a Royal Society de Londres, pode bem ficar sendo o Museu do Trocadero.

Não me canso de ler tais notícias e causa-me assombro que semelhantes sumidades não figurem no Larousse e em outras publicações congêneres.

Não vem isto, porém, ao caso. O que estas linhas tencionam é protestar contra a omissão que eles fizeram, do nome do ilustre marroquino Mulay Mâlek Ben-Bélek.

Ele vem superintender a construção do pavilhão de Marrocos que será erguido no estilo original daquele próspero império.

Os materiais empregados, como se sabe, são caniços e uma argamassa feita de bosta de camelo e lã de carneiro. Como aqui não havia camelos, portanto, o primeiro elemento da aludida argamassa, o imperador de Marrocos fretou um barco suíço e atestou-o daquele primordial elemento dos pártenons dos seus domínios. Vai ser uma lindeza, debaixo da féerie iluminativa que o senhora Carlos Sampaio contratou com os seus amigos americanos e vai nos custar os olhos da cara. Diz-se o mesmo que as experiências realizadas, no morro da Favela, mostraram de que forma mágica iluminações yankees transformam, em palácios de “Mil e uma Noites", cubatas africanas.

O emir Mulay Málek Ben-Bélek é especialista em agricultura. Ele já ensinou ao senhora Carlos a fazer brotar do caroço da uva, pés de algodão do mais estimável fio.

Além disto, conhece os outros gregos da mais alta antiguidade do que ele lê, não só em grego, como em árabe, tais como Arístóteles, Ptolomeu, Estrabão, etc. até dos propriamente árabes, persas e hindus.

Uma tal sabedoria está a indicá-lo para professor de “relatividade", na Escola Politécnica, ao lado das "Máquinas" do senhora Frontin.

O emir Mulay tem oitenta e três mulheres e cento e cinqüenta concubinas. Não as trouxe por dois motivos: a) por não haver grande necessidade; b) porque supôs que, aqui, não houvesse carros "especiais"  em que as suas mulheres e concubinas pudessem passear pela cidade, islamicamente enclausuradas como manda o Corão. Desconhecia que, entre nós, há os carros-fortes da polícia...

Este homem eminente, entretanto, segundo dizem, está disposto a fazer-se bufarinheiro, no Rio.

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Nota:
Lima Barreto: "Histórias e Sonhos" (1920)

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