SONHO
Não vês o floco de branca
nuvem a deslizar pelo Oriente, como se doura aos raios do sol que nasce?
Tal é a tua existência: — nuvem
mimosa e alva que passa imaculada, até que uma luz bendita a doure com seus
raios puros, para, depois, desfeita em pérolas, cair; — orvalho consolador —,
sobre as florzinhas da terra. Vai; o dia desponta no Levante. Deixa que a
aragem matinal faça deslizar o teu pequeno batel por entre as ilhas de nenúfares
em flor; além, ele abicará; eu ai conduzirei o teu desposado.
Assim, no sonho de Ivanina
a gentil pescadora, — falara um anjo de nívea roupagem e grandes asas
prateadas.
Ivanina acorda
sobressaltada. Antes de adormecer, ela fizera ao seu anjo uma doce prece, eis
que vem de sondar o doce mistério que a perturba.
Do lado do Oriente
adelgaçavam-se as brumas da manhã, descobrindo verdes montes coroados de
palmeiras que semelham lindos cromos estampados em azul.
Por entre margens cobertas
de trepadeira florida, o lago se estendia sereno e prateado. Vestida a maruja,
Ivanina a gentil pescadora -, chega, desprende a barquinha, ligeira salta
dentro, e, reclinando-se, deixa que a plácida corrente a conduza por entre as
ilhotas de nenúfares em flor.
Ao suave deslizar do batel,
volta-lhe o sono, e com ele o sonho encantador.
Agora, porém, o anjo de
brancas asas prateadas e longa e nívea roupagem, coroa-lhe a fronte com as
flores virginais da laranjeira, e, tomando-a pela mão, a conduz a um altar florido...
O batel abica a margem;
Ivanina desperta assustada, cobrindo-se de vivo rubor à presença do mancebo
gentil que, sorrindo, estende-lhe a destra.
Era aquele que devia
levá-la ao altar, para com a luz de um abençoado amor dourar-lhe a existência
imaculada, como o sol ao nascer doura o floco de mimosa nuvenzinha branca que
se desliza pelo Oriente.
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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