DECAPITADA!
Era linda aquela borboleta
azul com suas grandes asas cetinosas, iriadas como conchas de madrepérola!
A trombazinha graciosamente
enroscada como um estame de flor, os olhos salientes, amarelos, diáfanos como
contas de cristal raiado de ouro.
Pousada sobre o verde,
levemente agitando as asas brilhantes, semelhava uma rara flor azul a
desabrochar!
Oh! Quanta era linda aquela
flor do espaço a repousar na terra!
Por uma tarde estiva, eu a
vi a debater-se de encontro aos vidros da minha janela que dá para o jardim.
Por cima, a trepadeira em flores estendida pelo telhado, debruçava-se em
vergônteas floridas. Sem dúvida a borboleta viera ali atraída pelo aroma das
flores. Tentei prendê-la para que não estragasse o maravilhoso tecido daquelas
asas ideais, porém, tão desastradamente o fiz, que se desarmando a vidraça, quase
decepou a graciosa cabecinha a falena gentil!
Ai! dor!... a pobrezinha
caiu moribunda a meus pés!...
Segurei-a ... e senti ainda
palpitantes aquelas brandas asas tão lindas, —
multicores como as conchas de madrepérola; mas as cabecinhas aonde
brilhavam os diáfanos olhos de cristal raiado de ouro, prendia, apenas presa
por um delgado fio que a brisa para logo quebrou!
Desci ao jardim: ali, sob
um arbusto coberto de flores, depositei, em um pequenino jazido, a desventurada
borboleta azul, e no plácido recinto, desfolhei rosas e saudades, cercando-o de
boas noites , expressivo emblema do meu pesaroso adeus.
O último raio do sol poente
foi beijar o tumulozinho da pobre decapitada, e a brisa que dali vinha
trazia-me, depois, como um farfalhar suave de finas asas que se debatessem...
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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